OFICINA DO EMPREENDEDOR - Livraria Martins Fontes

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Oficina do empreendedor / Fernando Dolabela. – Rio de Janeiro: ... Dolabela nos lembra que o empreendedorismo é um fenômeno cultural. Eu acrescento que ...
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Fer n an do D o l a b e l a

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Copyright © 2008 por Fernando Dolabela

revisão Ana Grillo Luis Américo Costa Sheila Til projeto gráfico e diagramação Valéria Teixeira capa Raul Fernandes pré-impressão ô de casa impressão e acabamento

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D682o Dolabela, Fernando Oficina do empreendedor / Fernando Dolabela. – Rio de Janeiro: Sextante, 2008. Apêndices Inclui bibliografia ISBN 978-85-7542-403-2 1. Empreendimentos – Estudo e ensino. 2. Brainstorming. 3. Planejamento estratégico – Estudo e ensino. 4. Jovens – Educação. 5. Sucesso nos negócios. I. Título. 08-1988

CDD 658.11 CDU 658.012.2

Todos os direitos reservados, no Brasil, por GMT Editores Ltda. Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo 22270-000 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2286-9944 – Fax: (21) 2286-9244 E-mail: [email protected] www.sextante.com.br

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Para

Geraldo Pinheiro Chagas, meu pai, e também para

Janice, Fernanda, André, Eduardo, Luísa e Pedro

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Sumário PREFÁCIO

AGRADECIMENTOS INTRODUÇÃO

PARTE I OS NOVOS PARADIGMAS CAPÍTULO 1 Razões para disseminar a educação empreendedora CAPÍTULO 2 Um panorama do empreendedorismo CAPÍTULO 3 Os conceitos CAPÍTULO 4 A Teoria Empreendedora dos Sonhos CAPÍTULO 5 O empreendedor visto sob a ótica das relações CAPÍTULO 6 O estudo das oportunidades: a essência do trabalho do empreendedor

9 11 12

24 37 59 77 122 125

PARTE II QUESTÕES DE MÉTODO CAPÍTULO 7 Educação empreendedora: questões fundamentais, 140 princípios e pressupostos CAPÍTULO 8 Os instrumentos metodológicos 154 PARTE III A OFICINA DO EMPREENDEDOR CAPÍTULO 9 Os instrumentos da arte e do ofício CAPÍTULO 10 Iniciando os trabalhos na Oficina CAPÍTULO 11 As avaliações do ensino CAPÍTULO 12 Montando a Oficina do Empreendedor

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ANEXOS ANEXO 1 Exemplos de programas de cursos ANEXO 2 Vinte princípios para a educação empreendedora. Mitos e equívocos ÍNDICE DE QUADROS, EXERCÍCIOS E FIGURAS NOTAS

BIBLIOGRAFIA

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PREFÁCIO

No Brasil há falta de empreendedores em todas as áreas, mas em uma delas a sua ausência é crítica: a empresa de base tecnológica, que nasce da conjunção entre centros de pesquisa, universidades, capital de risco e o mercado. É este justamente um dos alvos do trabalho de Dolabela, que acompanho desde quando, em 1992, implementou, no Departamento de Ciência da Computação, a primeira disciplina de empreendedorismo da UFMG. Apaixonado pelo tema, de professor, Dolabela passou a ser propagador do ensino de empreendedorismo, levando a Oficina do Empreendedor a centenas de cursos universitários em todo o Brasil e no exterior. O tema abordado neste Oficina do Empreendedor me é muito caro. Desde cedo, me envolvi com a criação de empreendimentos de base tecnológica. Minha preocupação com o desenvolvimento econômico do país me levou a agir também do outro lado do balcão, ofertando capital de risco a empresas emergentes da área tecnológica. Participei da criação da Fundação Biominas, que congrega 36 empresas e uma incubadora na área de biotecnologia. Além de ter participado da criação da Biobrás, tenho, através da Fir Capital, participação em cerca de outras 20 empresas nas áreas de software, biotecnologia e inovação em geral, originadas principalmente de centros de pesquisas universitários. Dolabela nos lembra que o empreendedorismo é um fenômeno cultural. Eu acrescento que faltam também percepção e vontade aos nossos dirigentes para adotar políticas públicas como as que, em países do Primeiro Mundo, estimulam e apóiam as empresas emergentes em seu caminho de consolidação e crescimento, tão difícil em si mesmo que dispensa os pesos adicionais da legislação imprópria e da ausência de infra-estrutura de suporte em nosso país. Dolabela tem o sonho de construir uma sociedade em que todos possam desenvolver o seu potencial empreendedor. Incansável, a partir de 2002, através da metodologia Pedagogia Empreendedora, ele passou também a levar a educação empreendedora a crianças e adolescentes da educação infantil, ensino fundamental e médio. A metáfora que Dolabela utiliza – “libertar e dinamizar 9

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o potencial empreendedor que todos temos” – simboliza a amplitude da mudança necessária na nossa cultura. É por essa razão que as propostas educacionais de Dolabela trazem a semente de uma grande mudança na nossa cultura. Sendo inovadoras, feitas no Brasil e para brasileiros, têm um imenso poder de aceitação, pois respeitam e se moldam às nossas raízes. Mas talvez a maior contribuição de Dolabela esteja no processo que engendrou para disseminar este tipo de ensino: através do seminário Formação de Formadores, ele transforma professores universitários de qualquer área em educadores de empreendedorismo, criando uma rede nacional de propagação do tema, capaz de agir de forma independente e autônoma. Além de ser simples, o processo é barato, pois utiliza o corpo docente das instituições de ensino médio e universitário, transformando os professores em semeadores da cultura empreendedora. Oficina do Empreendedor é originalíssimo em nosso mundo editorial. Além de nos dizer o que é ser empreendedor, o livro mostra como aprender a sê-lo. E não se trata de uma proposta sem comprovação prática. Dolabela esperou anos de testes e resultados excelentes para apresentá-la ao grande público. O presente livro lida com o empreendedor, principal motor do crescimento econômico. Os economistas há muito dominam modelos coerentes para apoiar projetos de indução do desenvolvimento regional. Mas nem sempre uma variável fundamental é considerada: os sistemas de valores da comunidade, que podem viabilizar ou atravancar as soluções técnicas. Dolabela nos apresenta o paradigma empreendedor como o valor que sinaliza para o desenvolvimento e nos diz como podemos nos contaminar. O aprendizado do conteúdo empreendedor é fundamental em todos os cursos de todas as áreas do conhecimento. Não será exagero afirmar que, em nossas escolas, ele é tão importante para qualquer estudante como matemática para os engenheiros ou anatomia para os médicos. Oficina do Empreendedor aparece em boa hora: o desenvolvimento do Brasil tem que se apoiar na pequena empresa e, em especial, na empresa de base tecnológica, cujo principal substrato é a aliança do conhecimento com o espírito empreendedor. GUILHERME EMRICH

Membro do Conselho Curador da Fundação Dom Cabral Membro do Conselho da FIR Capital Partners Presidente do Conselho Curador da Biominas

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A G R A D E C I M E N TO S

Este é um momento importante e alegre para qualquer autor. Ao tentar pagar dívidas de coração, lembramos dos motivos e sonhos que nos alimentaram, o que nos faz um pouco mais íntimos de nós mesmos. No meu caso, ao compor o mosaico das forças internas e externas que me impeliram a escrever este livro, percebo, com um calafrio na espinha, que tudo esteve sempre dependendo de pequenos acasos, de ações singelas aparentemente desconexas, algumas das quais explodiriam em projetos imensos. E se não tivessem ocorrido? Algumas dessas forças positivas vieram do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, do CNPq, do Programa Softex e da Fumsoft. Outras, anônimas mas fundamentais, emanaram dos meus alunos da UFMG e dos colegas professores de todo o Brasil, cerca de 5.000, que, após alguns dias de convívio comigo, corajosamente foram para a sala de aula e transformaram as idéias agora englobadas neste texto em ação. E também dos vários empresários Brasil afora, que se integraram com mente e coração ao sonho de libertar o empreendedor aprisionado em cada brasileiro. Ainda no campo das instituições, envio meu agradecimento especial ao IEL Nacional (Instituto Euvaldo Lodi), que desenvolveu uma profunda visão sobre o empreendedorismo no Brasil. Contei com a decisiva contribuição de uma equipe de alto nível para a implantação dos programas que permitiram o teste e o desenvolvimento da presente metodologia: Roberto Mendonça, Paula Corgozinho, Lina Iewa, Rosa Mendes, Ronilda de Araújo, Roberto Amorim e Maria Auxiliadora Vargas. Na edição argentina deste livro, sob o título Taller del Emprendedor, foi decisivo o apoio da UNR, Universidade Nacional de Rosário, à qual agradeço por intermédio do professsor e engenheiro David Asteggiano. Com o mestre e amigo Louis Jacques Filion aprendi a perceber a energia inesgotável que repousa em cada ser humano e a mergulhar na grande aventura de tentar mobilizá-la. 11

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I N T RO D U Ç Ã O

Uma metodologia inovadora “‘Venham para a beira’, disse ele. Eles responderam: ‘Nós estamos com medo.’ ‘Venham para a beira’, disse ele. Eles vieram. Ele os empurrou... e eles voaram.” Apollinaire

Este livro apresenta uma metodologia para formação de empreendedores. Aberta e flexível, baseada em princípios de auto-aprendizado, a Oficina do Empreendedor permite que cada um crie uma forma própria de aplicá-la, de acordo com suas características pessoais. Não é, portanto, uma receita de bolo, repetitiva e sempre igual. Mas, por outro lado, foi concebida para ser utilizada indiscriminadamente por pessoas que estejam fora do ambiente escolar e queiram ser empreendedores (empregados desejosos de criar seu próprio negócio, por exemplo), assim como por professores de qualquer especialidade que pretendam levar a formação empreendedora a seus alunos. Esta é uma inovação mundial e a principal razão do sucesso da Oficina: por se ocupar do aprendizado, e não do ensino no sentido tradicional, serve a alunos e professores de qualquer área – de letras a computação, de física a belas-artes. Aplicada em ambientes de ensino, ela assume a forma de uma disciplina a ser inserida na grade curricular de um curso de graduação ou de ensino médio, adaptável a cargas horárias variadas. Assim, a Oficina do Empreendedor atende a professores que queiram substituir a “síndrome do empregado”1 pelo “vírus do empreendedor” – ou seja, preparar o profissional do futuro tanto para ser dono de um negócio como para atuar como empregado-empreendedor. O que é a “síndrome do empregado”, marco do século XX e deste, que 12

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contagia a nossa sociedade e as nossas escolas? É uma coleção de sintomas que poderíamos chamar também de “síndrome da dependência”. O portador depende de alguém que crie um trabalho para ele. É um profissional que, mesmo tendo domínio de uma tecnologia, não está preparado para inovar. Ele geralmente diz ao seu chefe (quase sempre necessita de supervisão): “Pode pedir o que quiser, porque eu domino a tecnologia.” Todavia, sem o know-why, despreparado para interpretar o mercado e identificar oportunidades, ele talvez ainda não tenha compreendido que mais importante do que saber fazer é criar o que fazer, é conhecer a cadeia produtiva, os meandros do negócio. Sem a capacidade de interpretar o mercado e conhecer o setor em que pretende atuar, não poderá identificar e aproveitar oportunidades. O portador da síndrome não entende que mais importante do que saber operar um processo ou um sistema é saber transformar conhecimento em produto ou serviço. Para tanto ele deve aprender a lidar com conteúdos não abordados na nossa escola, monopolizada por temas acadêmicos: entender o mundo que existe além da porta da rua, aprender a lidar com a sua complexidade socioeconômica, e entender a sua dependência dos fatores políticos. Ele deve saber transformar necessidades em especificações técnicas. Em síntese, saber transformar conhecimento em riqueza. A lógica antiga de inserção no mundo do trabalho não se aplica ao mundo atual. A porta de entrada é outra. As condições de permanência e sucesso se alteraram. Segundo esta lógica, o pólo definidor está fora do indivíduo, é composto pelo “figurino de profissões” oferecidas pelo mercado de trabalho. O entrante se prepara para seguir uma delas, na maioria das vezes sem levar em conta as suas características pessoais (porque não conhece a si mesmo) e o seu próprio sonho, porque não foi estimulado a formulá-lo e a transformá-lo em realidade. Nesse fluxo, o ser humano é passivo, porque se submete ao que existe, o “figurino das profissões”. Não poderia ser de outra forma, porque a sua educação o preparou para lidar somente com as soluções já conhecidas, preparou-o como especialista no conhecimento já existente. No mundo atual o fluxo se inverte. O pólo não é o mercado, mas o indivíduo, que, tendo desenvolvido o autoconhecimento e formulado o seu próprio sonho, não tomará o “figurino das profissões” como referência, mas irá criar a sua própria atividade. Para tanto, deve ser preparado para ser especialista naquilo que não existe, principal competência do empreendedor. 13

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Fascinada e absorvida pela tarefa de formar especialistas (o que permitiu e permite o avanço tecnológico em proporções inimagináveis), a universidade e cursos profissionalizantes se esquecem do que é mais essencial ao profissional dos novos tempos: dominar uma linguagem para se comunicar com o ambiente que lhe permita conversar ou conectar-se, entender e trocar energia com as múltiplas dimensões que o compõe. Preso ao paradigma industrialista, o sistema educacional oferece aos alunos um único instrumento de comunicação: o curriculum vitae. É como se lhes ensinasse uma língua morta. Entre as questões clássicas do empreendedorismo abordadas neste livro, uma, em especial, caracteriza a percepção comum que se tem sobre este campo. É a pergunta que aflige indiscriminadamente interessados e céticos, críticos e apaixonados: pode alguém aprender a ser empreendedor? A prática das três últimas décadas nos diz que sim, é possível que qualquer pessoa aprenda a ser empreendedor. Mas tal aprendizado se dá sob circunstâncias específicas. O conhecimento empreendedor não é transferível, como temas acadêmicos convencionais, de quem sabe para quem não sabe. O que se pode fazer é desenvolver o potencial empreendedor presente na espécie humana. O verbo inglês develop, usado no sentido de revelar uma foto, oferece uma boa metáfora. Develop é derivado do francês antigo desveloper, tirar do envelope, desembrulhar. A revelação (development) de uma foto torna visível a imagem que já existia. Da mesma forma, a educação empreendedora dinamiza, torna disponível e utilizável um potencial presente em todo ser humano. Mas para tanto não se pode usar a didática convencional, daí a necessidade de uma metodologia específica para o “ensino” do empreendedorismo. Aqui cabe abrir um parêntese para mostrar o quanto o hábito nos imobiliza. Se alterarmos a pergunta, talvez compreendamos o quanto estamos apoiados em crenças às vezes conflitantes com a contemporaneidade: pode alguém aprender a ser empregado sem renunciar ao próprio sonho e ao desenvolvimento do próprio eu e do espaço personalíssimo que este último exige? O emprego, como o conhecemos hoje, existe há dois séculos, impele o indivíduo a submeter-se a relações artificiais sob todos os aspectos. “As relações de trabalho são acordos de produção nos quais o central é o produto, não os seres humanos que (o) produzem. Por isso, as relações de trabalho não são relações sociais. Isso é o que justifica a negação do humano nas relações de trabalho: ser humano em uma relação de trabalho é uma impertinência. O fato de as relações de trabalho não serem relações sociais é o que torna possível a 14

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substituição dos trabalhadores humanos por autômatos e o uso humano no desconhecimento do humano, que os trabalhadores ignorantes dessa situação vivenciam como exploração.”2 Em outras palavras, existem empregados felizes? Pesquisas dizem que são raros.3 O próprio sistema de aposentadoria (produto do emprego) reconhece isso: oferece como prêmio o não-trabalho, negando o que foi feito durante toda uma vida. Para o historiador americano David Landes,4 a humanidade se divide em duas classes: a dos que vivem para trabalhar e a dos que apenas trabalham para sobreviver. “Quanto mais pessoas do primeiro tipo houver, mais chances uma nação terá de sair ganhando no jogo da globalização.” A aposentadoria não é prática de pessoas que amam o que fazem. Poetas, atores, artistas, profissionais liberais, empreendedores e tantos outros que amam o que fazem jamais pensam em se aposentar. Os teóricos da administração ainda não encontraram solução para os conflitos entre indivíduos e empresas. Talvez porque ela não seja viável dentro dos padrões que atualmente regem o emprego em todo o mundo. Mas também porque esses conflitos não são prioritários no campo da administração tradicional, que está preocupada com a empresa e não com o ser humano. No entanto, na nossa era – em que o valor maior é a inovação –, a emoção e a liberdade dos empregados começam a substituir a razão como elemento basilar, central. Isso porque a inovação exige criatividade, que é filha da liberdade, que, por sua vez, só floresce em ambientes em que os erros sejam permitidos e em que os indivíduos possam expandir o seu próprio eu e buscar a realização dos seus sonhos. Enquanto a administração de empresas elege como tema central as organizações (e tem colhido estrondosos sucessos, transformando-se em conteúdo indispensável em qualquer área da ação humana), o foco do empreendedorismo é o ser humano e sua coletividade. A fragilidade e a artificialidade das relações no trabalho sob a forma de emprego deixam o campo da administração de empresas vulnerável a aventureiros de toda espécie, enquanto as grandes empresas continuam a gerar empregados infelizes. Talvez a formulação da pergunta “Pode alguém aprender a ser empregado sem renunciar ao próprio sonho e ao desenvolvimento do próprio eu e do espaço personalíssimo que este último exige?” tenha sido bloqueada porque vivíamos sob o signo do emprego. Ela parece óbvia agora, quando o velho modelo entrou em crise e presenciamos a emergência do 15

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paradigma do empreendedor. (Naturalmente, não pretendemos opor empreendedorismo a emprego, o que equivaleria a uma redução equivocada, pois um dos temas do primeiro é o empregado empreendedor. Mas não há dúvida de que o empreendedorismo contesta radicalmente a síndrome do empregado.) Pela primeira vez na História, o que aprendemos na escola é superado rapidamente pelo que aprendemos fora dela. Em algumas áreas, o conhecimento tecnológico é renovado em poucos anos. Não adianta mais acumular um “estoque” de conhecimentos. É preciso que saibamos aprender. Sozinhos e sempre. Por isso, a Oficina apresenta um processo de aprendizado, e não de ensino. Ela induz ao contínuo aprender a aprender, que leva o aluno a proceder como faz o empreendedor na vida real: fazendo, errando, corrigindo rumos, criando. Portanto, este livro é para aqueles que pensam que o profissional dos novos tempos deve ter um compromisso com a inovação e estar preparado para realizá-la. Que deve ter a coragem de assumir riscos, de ver seu nome associado a uma obra, seja ela uma empresa, uma pesquisa, um projeto. Que não tem medo de transformar seus sonhos em realidade. Que é auto-suficiente, identifica e aproveita oportunidades. Assim, o livro pode ser utilizado por professores de qualquer arte ou ciência que acreditem que educar significa desenvolver todo o potencial do ser humano. Não só a razão, mas a emoção, o sonho, a autoimagem como substrato de atitudes e comportamentos criativos, inovadores, que provoquem mudanças. Criada em 1993 e já aplicada em cerca de 400 estabelecimentos de ensino superior e médio no Brasil e no exterior, por mais de 5 mil professores que participaram do seminário Formação de Formadores, oferecido pelo autor deste livro, a Oficina do Empreendedor, exposta a esta intensa multivivência didática, vem sofrendo ao longo do tempo constantes aprimoramentos e “recriações”. Assim, o leitor está diante de um método que já demonstrou sua eficácia e lançou a semente de importantes mudanças no ensino brasileiro. Estamos ainda no início de um processo, mas já é possível encontrar em todo o Brasil professores, alunos, empreendedores aplicando a presente metodologia, independentemente de sua área de conhecimento ou de atuação. Ela foi construída com as seguintes características: • A sala de aula se transforma em um ambiente em que os alunos geram os conhecimentos de que irão necessitar para empreender (diferentemente 16

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do ensino convencional, em que o conhecimento é transmitido pelo professor). • Cabe ao professor formular perguntas; as respostas constituem o centro da tarefa empreendedora e serão construídas pelos alunos. • Pode ser utilizada tanto por quem queira ser empreendedor como por professores e alunos dos cursos de nível médio e universitário. • É simples e permite aplicação imediata. • Pode ser utilizada por professores com qualquer base acadêmica, ao contrário do que acontece nas instituições de ensino do resto do mundo, onde a formação de empreendedores é atividade exclusiva de especialistas da área de administração de empresas. (Por exemplo: os cursos de graduação em Ciência da Computação e Física foram pioneiros na implementação do empreendedorismo na UFMG.) • Utiliza a experiência e a proficiência dos quadros docentes já existentes, não exigindo especialização nem duplicando meios. • Possibilita rápida disseminação, atendendo às dimensões continentais do país e a sua urgência de mudanças. • Promove a integração universidade-empresa, trazendo o empreendedor real para a sala de aula e transformando-o em mestre. • É flexível e aberta para que possa se adaptar às características pessoais dos seus usuários: o professor, o aluno e a instituição que irá aplicá-la. • Considera o saber adquirido como uma conseqüência da forma de ser. • Abre vagas na sala de aula para a emoção, o sonho, o ego, o indefinido, o incerto e não sabido. Os trabalhos na Oficina são facilitados por duas ferramentas concebidas dentro dos mesmos princípios: o software MakeMoney ,5 sobre Plano de Negócios, que permite que estudantes de todas as áreas, sem conhecimento prévio sobre empresas, possam planejar o seu empreendimento, lidando com marketing, finanças, organização; e o livro O segredo de Luísa,6 também dirigido aos alunos, construído em forma de romance, em uma linguagem simples, que busca associar prazer ao ato de aprender.

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Como surgiu a metodologia? Uma resposta brasileira A Oficina foi concebida como resposta às necessidades do nosso país, onde a cultura empreendedora se manifesta de forma tímida, o que exige uma estratégia que seja ao mesmo tempo eficaz, barata e de fácil disseminação.7 Nasceu na área de informática, no Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, em 1993, através de demandas do Programa Softex, do CNPq,8 cujos criadores acreditaram ser possível transformar alunos de computação em futuros proprietários de empresas. Eles estavam certos: nas cinco primeiras ofertas semestrais da disciplina de empreendedorismo na UFMG foram criadas 25 empresas. Após o teste bem-sucedido, o passo seguinte foi buscar uma metodologia que viabilizasse sua propagação para todos os cursos de informática do país. Assim, foi criado em 1996 o projeto Softstart (do Softex-CNPq), cuja meta – implementar a Oficina em 30 instituições de ensino, em três anos – causou grande perplexidade em virtude dos obstáculos que deveria superar. Entre esses, a inclusão de uma nova disciplina na grade curricular, a indução externa e o fato de a Oficina estar fora do imediato interesse acadêmico de professores de informática. No entanto, após três anos, mais de 100 instituições haviam implantado o ensino de empreendedorismo. A partir de 1997, a Oficina começou a ser aplicada nas demais áreas do conhecimento, através dos Programas Reune-MG, Reune-Brasil e Senai-MG.9 A introdução da cultura empreendedora no ensino médio e universitário é o primeiro passo na persecução de um objetivo maior: a formação de uma cultura em que tenham prioridade valores como combate à miséria através da geração e distribuição de riquezas, inovação, criatividade, sustentabilidade, liberdade. A democracia guarda estreita relação com o empreendedorismo da base da população, que necessita do trânsito livre da informação econômica, oferta de crédito, microcrédito e capital de risco, sistemas de apoio e capacitação, tributação adequada, desburocratização, estímulos de toda ordem. Pela ausência de tais condições, o Brasil, de tradição autocrática, criou um clima extremamente hostil ao empreendedor emergente.

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Carta ao professor No empreendedorismo sabemos que não é possível realizar o que a aula convencional propõe: transferir conhecimentos. No entanto, com a prática descobrimos que é possível aprender a ser empreendedor. Esta Oficina do Empreendedor tem justamente o objetivo de mostrar como fazer isso. O formato mais simples que esta Oficina pode assumir é o de uma (ou várias) disciplina inserida em um curso de nível médio ou universitário. Mas o seu objetivo é transformar a cultura da instituição de ensino mudando-a de formadora de empregados para desenvolvedora de empreendedores. São somente dois os pré-requisitos para o professor que deseja levar o tema empreendedorismo à sala de aula. O primeiro é estar disposto a enfrentar o desafio de introduzir novo conteúdo e novos processos didáticos e a superar os obstáculos que inevitavelmente se apresentam a quem quer inovar. O segundo é ter a disponibilidade e a vontade de estabelecer vínculos com o mercado, com empresas e empreendedores, com o ambiente onde os conhecimentos que domina são transformados em riqueza. Evidentemente o convite ao professor para se inserir na área de empreendedorismo não pressupõe o abandono da sua especialidade. Muito pelo contrário. A Oficina deve ser vista como um conjunto de fundamentos aplicáveis de forma livre e criativa, atendendo às características de professores, alunos, instituições de ensino e à cultura da comunidade. Não é uma camisa-de-força. Ainda não foi inventada a “escola de empreendedores de sucesso”, em que alguém comunique verdades absolutas e distinga o certo do errado. Nem mesmo os fundamentos centrais são imutáveis. Por isso, estamos sugerindo que o professor que utilizar a metodologia proposta por esta Oficina se auto-intitule Organizador da Oficina do Empreendedor (OOE) – alguém que irá prover os recursos para que os alunos desenvolvam e aprimorem o próprio espírito empreendedor. Neste sentido, qual é a tarefa central do professor de empreendedorismo? Transformar a sala de aula em um ambiente em que os alunos sejam estimulados a gerar novos conhecimentos. Quais seriam tais conhecimentos? Podem ser sintetizados em dois requisitos essenciais ao empreendedor: • Capacidade de gerar o próprio sonho, visto aqui como a concepção do futuro que tem para a sua comunidade e para si mesmo. • Capacidade de construir caminhos para transformar os sonhos em realidade. 19

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Não se pode perder de vista o resultado a ser alcançado: desenvolver o espírito empreendedor, estimular pessoas a se transformarem em atores centrais no cenário de mudanças econômicas e sociais. No Brasil, empreendedorismo deve significar, sobretudo, a capacidade de combater a miséria. Quando foi concebida, a Oficina poderia ser considerada “um estudo de caso”: a experiência do autor na concepção e aplicação de uma metodologia de aprendizado de empreendedorismo. Hoje, este livro pode ser visto como a suma narrativa de centenas de “casos”, já que a metodologia está sendo aplicada, “recriada” e enriquecida (por ser inteiramente flexível) por milhares de professores em todo o Brasil e fora dele. Desta forma, a Oficina é uma obra em constante transformação. Os esforços feitos na sua criação serão gratificados de forma magnânima se sua aplicação continuar a ensejar adaptações e aprimoramentos. Compartilho com os professores que estão começando nesta área algumas reflexões colhidas da prática e dos mestres: • Não se considere um professor, alguém que vai ensinar a ser empreendedor. Seja somente um Organizador da Oficina do Empreendedor, alguém que vai criar as condições necessárias para o aluno aprender sozinho a ser empreendedor. O seu papel será o de criador de um ambiente (a sala de aula) que estimule a geração de novos conhecimentos pelos alunos. • Dê lugar à emoção dos alunos – e também à sua. Ela é o principal caminho para a razão e o talento. Empreender é deixar-se emocionar. • Não pretenda que os alunos abram empresas logo após sua exposição à disciplina. Considere esse resultado excelente mas inesperado. • Não dê respostas. O empreendedor é alguém que aprende sozinho. Habilite-se a fazer perguntas. • Não se sinta responsável por apresentar soluções. Este é o papel do aluno. • Abandone o paternalismo nas relações com os alunos. Estes devem buscar sozinhos os conhecimentos de que necessitam. É assim que faz o empreendedor real na vida real. • Habitue-se a questionar e relativizar ao invés de ter respostas prontas. Neste campo, não há uma versão certa. • Jamais influencie o aluno na busca de uma idéia de negócio. Lembre-se de que uma empresa é a realização de um sonho, a projeção do ego, a exteriorização do que se passa no âmago de uma pessoa. 20

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• Os alunos devem buscar o autoconhecimento. Como a empresa tem “a cara do dono”, eles devem saber como são para vislumbrar como será a empresa que criarem. • A auto-imagem positiva e a elevada auto-estima (conceito de si) são os principais alimentos da criatividade e, portanto, da inovação. As pessoas só realizam algo caso se julguem capazes de fazê-lo. • Não se apóie na improvisação, mas não a tema. Pode soar pouco acadêmico (o que não tem importância, porque empreendedorismo não é considerado tema acadêmico), mas ela será um recurso fundamental na vida do futuro empreendedor. • Lembre-se de que, na Oficina, networking é fundamental. Você deve trazer a sua rede de relações para a sala de aula. Busque conhecer o mundo dos empreendedores e chame-os para colaborar no andamento do curso. Aperfeiçoe sua habilidade para as relações interpessoais. Estabeleça fortes conexões com os Sistemas de Suporte e as forças vivas da Sociedade: poderes públicos, associações de classe, órgãos de comunicação, bancos, financiadores – ou seja, todos aqueles que podem e devem apoiar a criação de novos negócios. • Defenda junto aos alunos, de forma intransigente, que o saber isolado não é suficiente. Nesta área, os conhecimentos técnicos representam pequena parte da solução global. • Elimine as pressões do conformismo. Incentive a autonomia e a liderança entre os estudantes. • Encoraje os alunos a definir seus problemas, situações e visões. • Incentive os alunos a acostumar-se a identificar o que lhes interessa e os motiva a aprender. • Crie oportunidades para que os alunos transformem suas idéias em ação. Estimule sua habilidade de canalizar energia para os objetivos. • Monte um sistema que permita acompanhar os alunos depois de sua exposição à disciplina. Só assim você saberá avaliar seus resultados e terá um mecanismo de feedback. • Leve em conta o que os alunos já sabem e também seu potencial de aprender sozinhos. Você ficará surpreso. • Na atividade de disseminação da cultura empreendedora, existe um dito que contém uma profunda verdade: “O Organizador da Oficina do Empreendedor aprende mais que o aluno.” 21

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• Afirme e reafirme a importância do empreendedorismo para o desenvolvimento econômico. • Não avalie o empreendedor exclusivamente por critérios de competência. Em termos éticos, somente deve ser considerado empreendedor aquele que oferece valor positivo para a coletividade. E não quem o subtrai. • Acima de tudo, estimule a capacidade de sonhar (esquecida em nossas escolas) e a coragem de realizar sonhos. Pergunte sempre aos alunos (e a si mesmo): qual é o seu sonho e o que pretende fazer para transformá-lo em realidade? • Não se esqueça de que os sonhos individuais são fortemente influenciados pela sociedade: ética, visão de mundo, comportamentos coletivos, atitudes de líderes. Por essa razão a formação empreendedora exige que se discuta e analise o mundo com todas as suas variáveis. • O aluno da escola tradicional aprende, para se relacionar com o mundo profissional e nele se inserir, a enviar o seu curriculum vitae. Diferentemente da formação do especialista (proposta do ensino convencional), no empreendedorismo o aluno deve aprender a ler o mundo, a lidar com a complexidade sócio-político-econômica e a estabelecer múltiplas interfaces com a sociedade. É lá, no que acontece além da porta da rua, que estão as oportunidades. • Por fim, repito o lembrete: ao introduzir esta disciplina você estará inovando e talvez desperte reações contrárias. Isso deve servir de estímulo para a sua motivação. Aos que se iniciam na tarefa de estimular o empreendedorismo entre os estudantes brasileiros, desejo que sejam tomados pela mesma paixão que me capturou desde os primeiros momentos e que, por extrema sorte, vem crescendo na razão direta do meu envolvimento com o tema.

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OS NOVOS PARADIGMAS

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CAPÍTULO 1

Razões para disseminar a educação empreendedora Criando uma cultura empreendedora Por que introduzir a cultura empreendedora em nossas escolas? Quais os motivos que estão por trás da necessidade de motivar e estimular os nossos jovens a abrir o próprio negócio ou ter atitudes empreendedoras na área que escolherem para atuar? Quais os elementos que tornam esta necessidade urgente?

Auto-realização Pesquisas indicam que o empreendedorismo oferece graus elevados de realização pessoal. Por ser a exteriorização do que se passa no âmago de uma pessoa, e por receber o empreendedor com todas as suas características pessoais, a atividade empreendedora faz com que trabalho e prazer andem juntos. Talvez seja muito difícil encontrar um empreendedor que queira se aposentar ou que espere ansiosamente pelo fim de semana para se desvencilhar do trabalho. Não é raro encontrar empreendedores que tiram poucas férias.

Desenvolvimento social e crescimento econômico O crescimento econômico sustentável é conseqüência do grau de empreendedorismo de uma comunidade. As condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento precisam de empreendedores que as aproveitem e que, através de sua liderança, capacidade e de seu perfil, disparem e coordenem o processo de desenvolvimento, cujas raízes estão sobretudo em valores culturais, 24

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na forma de ver o mundo. O empreendedor cria e aloca valores para indivíduos e para a sociedade, ou seja, é responsável pela inovação tecnológica e crescimento econômico. Existe relação entre o empreendedorismo e o desenvolvimento econômico local?10 Segundo o PNUD (ONU),11 “o pequeno empreendedor é um elemento tão importante do setor privado quanto uma corporação multinacional”. Na sua pesquisa, o GEM12 – Global Entrepreneurship Monitor conclui que “a criação de empresas é o instrumento mais eficaz para a geração de empregos, o crescimento econômico, o desenvolvimento social e, conseqüentemente, para combater a pobreza em uma sociedade”. Até o fim dos anos 1970, o Estado e as grandes empresas eram considerados os únicos suportes econômicos relevantes para a sociedade. Nos anos 1980, alguns fatores – o endividamento crescente dos governos, o aumento da concorrência dos mercados e sua mundialização, a utilização intensiva de tecnologia nos processos produtivos – transformaram este panorama, desenhando uma nova organização econômica. As grandes empresas passaram a produzir mais com menos empregados; os governos buscaram diminuir seus déficits através de cortes e redimensionamento dos quadros de pessoal. A partir daí, as únicas criadoras de empregos passaram a ser as PMEs (pequenas e médias empresas), que não mais se restringiram ao mercado local ou regional, mas começaram a concorrer no mercado internacional. Uma das características das PMEs é a sua dependência da comunidade local, que poderá ou não estar dotada de fatores importantes de aceleração do desenvolvimento, como ambiente favorável ao empreendedorismo, vontade comunitária de implementação de uma rede de negócios, instituições de apoio, facilidades para obtenção de financiamentos, etc. Assim, o nível local é entendido como o meio ambiente imediato das PMEs. Ali elas nascem e se formam, encontram recursos humanos e materiais dos quais depende o seu dinamismo e estabelecem sua rede básica de relações. É a comunidade local, com todos os seus atores – públicos, privados e do terceiro setor –, que irá fornecer os recursos de toda ordem e, não menos importante, os valores empreendedores que criarão condições favoráveis ao surgimento de idéias e projetos. Entre eles, a dimensão humana da comunidade local surge como um dos elementos mais essenciais. 25

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No âmbito nacional, é possível aplicar políticas econômicas baseadas em modelos mecânicos, tendo como pressupostos que os atores econômicos e o sistema produtivo têm características uniformes e que toda a população está inserida no mesmo sistema de valores. Tal abordagem, talvez apropriada para a intervenção em grandes conglomerados econômicos, parece não ser suficiente para orquestrar o desenvolvimento econômico local. Na comunidade local, tudo é personalizado: lideranças, instituições, empresas, grupos e associações comunitárias. Tudo tem nome, sobrenome e é conhecido em seus pormenores, seus pontos fracos e fortes, que produzem uma imagem no grupo. Em conseqüência, o desenvolvimento econômico local não pode ser um processo mecânico, é orgânico. É antes uma questão de diálogo entre todos os atores locais, visando a sua sensibilização, mobilização e participação, criando uma sinergia que sinalize positivamente para o desenvolvimento. Pode-se dizer que este é um fenômeno humano, sendo impossível desconsiderar os comportamentos individuais dos integrantes da comunidade. Quando se aborda o desenvolvimento local, além da utilização de teorias econômicas, deve-se buscar apoio nos conteúdos de mudança organizacional e animação social. O desenvolvimento econômico local é endógeno, ou seja, emerge das iniciativas e do dinamismo da comunidade. Valoriza os recursos financeiros e materiais locais. Mas, principalmente, apoiar-se-á no empreendedorismo, disseminado fortemente entre os principais atores e nas PMEs locais, como fontes de geração de emprego. Na comunidade local, as parcerias serão baseadas em projetos e pessoas, e não em instituições. Desta forma, é importante que os valores do empreendedorismo sejam difundidos entre os atores centrais da comunidade local para que, no processo de desenvolvimento econômico, as PMEs não sejam uma opção de segunda categoria, mas assumam uma posição de prioridade. Neste sentido, também os promotores e gerenciadores de projetos, estejam eles em órgãos públicos, universidades, ONGs ou na comunidade em geral, devem adotar uma visão e postura empreendedora. Para tanto, precisam receber educação sobre empreendedorismo. Assim, não hesitarão em correr riscos, inovar, estabelecer vínculos e relações necessários ao alcance dos objetivos, identificar oportunidades e buscar recursos onde estiverem. Tais comportamentos empreendedores têm mais importância do que as estruturas colocadas em jogo, porque têm embutido no seu âmago os valores do desenvolvimento. Ao transformar os principais atores do processo de desenvolvimento local em 26

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veículos de criação e difusão do espírito empreendedor, estaremos combinando de forma adequada os comportamentos com os objetivos a alcançar. A partir de 1999, o GEM realiza anualmente a mais abrangente pesquisa sobre empreendedorismo, envolvendo um número crescente de nações. Os seus relatórios indicam que o empreendedorismo é o principal fator de desenvolvimento econômico de um país e apresentam recomendações a países que buscam o desenvolvimento econômico que se ajustam inteiramente à situação brasileira, das quais destacamos as referentes ao ensino e à participação da mulher na economia, apresentadas a seguir: • O apoio ao empreendedorismo e o aumento da dinâmica empreendedora de um país deveriam ser prioridades de qualquer política ou ação governamental que tenha por objetivo promover o desenvolvimento econômico. • O aumento auto-sustentado a longo prazo das atividades empreendedoras exige forte comprometimento e investimento em educação no ensino superior. • As habilidades e capacidades necessárias para criar uma empresa deveriam integrar os programas de ensino em todos os níveis: fundamental, médio e superior. • Independentemente do nível de ensino, a ênfase deve ser concentrada no desenvolvimento da capacidade individual de procurar e identificar novas oportunidades. • Para a maioria dos países que foram alvos da pesquisa do GEM, o resultado melhor e mais rápido na criação de novas empresas será obtido pelo aumento da participação das mulheres na dinâmica empreendedora. Segundo Paul Reynolds, um dos coordenadores do Relatório GEM, a pesquisa “fornece evidências conclusivas de que a principal ação de qualquer governo para promover o crescimento econômico consiste em estimular e apoiar o empreendedorismo, que deve estar no topo das prioridades das políticas públicas. Em países onde tais políticas são mais efetivas, como os Estados Unidos, onde para cada 12 pessoas é criada uma empresa, as perspectivas de crescimento econômico são significativamente maiores do que em países como a Finlândia, onde essa relação é de 67 pessoas para cada empresa”. A pesquisa do GEM endossa o argumento de que o empreendedorismo faz a grande diferença para a prosperidade econômica, e que um país sem 27

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altas taxas de criação de novas empresas corre o risco da estagnação econômica. Nações que são capazes de renovar o estoque de empresas e têm a capacidade de acomodar a volatilidade e a turbulência no setor empresarial estão em melhores condições de competir efetivamente. Em resumo, a pesquisa deixa claro que um pré-requisito para a atividade empreendedora em um país é a existência de um conjunto de valores sociais e culturais que possam encorajar a criação de novas empresas. Portanto, se no passado – e ainda hoje – desenvolvemos grande habilidade em incutir em nossos filhos e alunos valores como emprego, estabilidade financeira e nível universitário como instrumentos fundamentais de realização pessoal, temos agora a obrigação de educar nossas crianças e jovens dentro de valores como autonomia, independência, capacidade de gerar o próprio emprego, de inovar e produzir riqueza, coragem de assumir riscos e crescer em ambientes instáveis, porque, diante das condições reais do ambiente, são esses os valores sociais capazes de conduzir países ao desenvolvimento.

A pequena empresa A nova organização da produção no mundo coloca a pequena e a média empresas em seu centro. Elas são responsáveis pelas taxas crescentes de emprego, de inovação tecnológica, de participação no PIB, de exportação. No entanto, a percepção da importância da pequena empresa ainda não é suficientemente clara entre nós. Acostumados a ver as grandes empresas e o Estado como pólos da economia, como fontes de emprego, temos resistência a redirecionar nossas expectativas em relação aos principais agentes econômicos e às praxes do ambiente de trabalho. A pequena empresa surge em função da existência de nichos mercadológicos, ou seja, lacunas de necessidades não atendidas pelas grandes empresas e pela produção de massa. Por isso, seu nascimento está intimamente ligado à criatividade: o empreendedor tem que perceber o mercado de forma diferenciada, ver o que os demais não percebem. As empresas de base tecnológica surgem no século XX como uma das principais forças econômicas. Pesquisadores, professores e alunos de universidades apresentam alto potencial para a criação de novos empreendimentos baseados no conhecimento. É preciso dar-lhes o estímulo adequado. A UFMG, através da criação de várias empresas, como a Akwan,13 adquirida pela Google, a 28

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UFPE, através do Cesar,14 a PUC-Rio, através do Gênesis,15 são exemplos brasileiros que devem servir de modelos.

Desemprego Em uma economia movida pelas grandes empresas e pelo Estado, nada mais natural do que formar empregados. Este modelo, dirigido à criação de empregados para as grandes empresas, cumpriu sua missão. Esgotou-se, porém, diante das profundas alterações nas relações de trabalho e na produção. Ao terem seu eixo deslocado para os pequenos negócios, as sociedades se vêem induzidas agora a formar empregadores, pessoas com uma nova atitude diante do trabalho e com uma nova visão do mundo.

A preparação do empreendedor Por outro lado, não basta que exista a motivação para empreender. É necessário que o empreendedor conheça formas de análise do negócio, do mercado e de si mesmo para perseguir o sucesso com passos firmes e saber colocar a sorte a seu favor. São alinhados a seguir alguns motivadores para a preparação do empreendedor em potencial:

As elevadas taxas de mortalidade nas empresas nascentes A regra é falir, e não ter sucesso. A quantidade de empresas que fecham prematuramente, ou seja, a mortalidade infantil entre empresas nascentes, é elevada em todo o mundo. Apesar de as estatísticas apresentarem falhas – pois registram o fechamento de empresas, mas não acompanham o empreendedor, que poderá estar abrindo outro negócio –, não há como negar que uma descomunal energia e incalculáveis recursos são desperdiçados por novos empreendedores. O aprendizado na área tem o objetivo de reduzir esses índices, dar elementos ao empreendedor sobre sua empresa antes de abri-la, através do Plano de Negócios, fundamentando sua decisão. De cada três empresas criadas, duas fecham as portas. As pequenas empresas (menos de 100 empregados) fecham mais: 99% das falências são de pequenos negócios. Se alguns têm sucesso sem qualquer suporte, a maioria fracassa, muitas vezes desnecessariamente. 29

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A solução tecnológica não é, sozinha, garantia de sucesso. A grande falácia da ratoeira O conhecimento científico e tecnológico nunca foi tão indispensável e, ao mesmo tempo, tão insuficiente como agora. Existe um pensamento tão comum quanto enganoso que leva as pessoas a achar que, se têm uma nova idéia e, mais ainda, se esta idéia utiliza uma tecnologia avançada, o sucesso está garantido. Mas sabemos que isto, devido ao alto grau de competição do mundo atual, não corresponde à verdade. Sabemos também que a contribuição do conhecimento puramente tecnológico, ligado ao produto, para o sucesso da empresa, apesar de ser fundamental, corresponde a uma parcela menor do que a de outros fatores, ligados às tarefas de prospecção de mercado, vendas, distribuição e comunicação da existência e das vantagens do produto/serviço. Esta falácia tem suas origens em vários pressupostos. Entre eles, a lógica da primeira metade do século XX, em que a qualidade do produto era um diferencial mercadológico em virtude de uma concorrência ainda leve e de um mundo em que as mudanças não eram tão rápidas como hoje. Outro pressuposto é a imagem de grandes inventores do século XIX e começo do século XX, como Edson e Bell, que transformaram suas idéias em grandes empreendimentos. A falácia da ratoeira16 é alimentada pela tendência do dono da idéia de subestimar os outros elementos que conduzem ao sucesso, visto o processo de geração de idéias estar contaminado pelo sentimento de identificação e propriedade. Na nossa experiência didática com estudantes de áreas tecnológicas, verificamos que a supervalorização da tecnologia ligada ao produto é uma tendência perigosa. Entrar antes no mercado, com uma grande idéia, também não é garantia de sucesso. Muitas vezes, a empresa que chega primeiro sinaliza a existência de um mercado altamente convidativo, atraindo concorrentes que poderão dominar o nicho. Assim, a falácia da ratoeira deve ser sempre lembrada, principalmente entre os empreendedores da área tecnológica. Idéia é diferente de oportunidade Empreendedores sem sucesso confundem idéia com oportunidade. Como foi dito anteriormente, a idéia causa grande fascínio em seu autor. O apego à idéia, por razões psicológicas, pode impedir que ela sofra um processo de validação e, não raro, faz com que se torne uma das causas do insucesso. O jovem empreendedor deve aprender a ver sua idéia com distanciamento emocional, de modo a poder fazer uma análise detalhada dela. 30

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Nova orientação ao ensino “A função mais importante da universidade na era da razão é proteger a razão de si mesma.” Allan Bloom, filósofo americano

Os valores do nosso ensino não sinalizam para o empreendedorismo, estando voltados, em todos os níveis, para a formação de profissionais que irão buscar emprego no mercado de trabalho. Assim, o emprego assume um valor fundamental na formação da nossa sociedade.17 Outra característica nos cursos profissionalizantes e universitários é a “cultura da grande empresa”, ou seja, quando se fala de empresa, são abordados os temas relativos às grandes organizações, e não os característicos dos pequenos negócios. Os cursos de administração, com raras exceções, são voltados quase exclusivamente para o gerenciamento de grandes empresas. Por outro lado, muitas das nossas instituições de ensino estão distanciadas dos “sistemas de suporte”: empresas, órgãos governamentais, financiadores, associações de classe, entidades das quais os pequenos empreendedores dependem para sobreviver. As relações universidade-empresa, indispensáveis na formação de empreendedores, são ainda incipientes no Brasil. Segundo William Bolton,18 grandes transformações nos campos da economia de desenvolvimento empresarial e da educação sugerem que os atuais modelos já não são adequados para explicar problemas e prover soluções. Grandes empresas tradicionais enfrentam dificuldades financeiras, enquanto empresas de base tecnológica apresentam crescimento espetacular e batem recordes de valor nas Bolsas. Ele sugere que, no novo modelo em curso – que batiza de enterprise paradigm –, cujo elemento fundamental são as empresas de base tecnológica, a universidade tem papel de vanguarda, uma vez que apresenta a maior concentração de talentos intelectuais em qualquer setor, lida com corações e mentes das novas gerações e tem uma dispersão geográfica que facilita seu apoio ao desenvolvimento regional. Mas adverte: ao mesmo tempo que está diante de uma grande oportunidade, a universidade parece ignorar o perigo representado por sua tradição e seu tamanho, que fazem com que processe mudanças de forma lenta. Vai mais além, ao dizer que não há meio-termo no envolvimento da universidade: ou ela exerce a liderança do processo ou ficará a reboque dos acontecimentos.

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Velocidade das mudanças O mundo está presenciando grandes mudanças em velocidade alucinante: em 1985, foram lançados 5 mil novos produtos nos Estados Unidos; dez anos depois, este número saltou para 25 mil produtos, envolvendo novas tecnologias, novas formas de comercialização, etc. Empreender com sucesso significa ser capaz de desenvolver um potencial de aprendizado e criatividade, junto com a capacidade de implementá-lo em velocidade maior que o ritmo das mudanças no mercado. A competitividade de empresas e países é representada agora pela capacidade de inovar. Tendências internacionais No mundo todo, o empreendedorismo é uma febre.19 O número de instituições universitárias que oferecem este tipo de conteúdo nos Estados Unidos passou de 50, em 1975, para mais de mil em 1988. Em cinco estados daquele país, o ensino de empreendedorismo é obrigatório. Na última década do século passado o empreendedorismo explodiu nas antigas nações comunistas do Leste Europeu, que contratam pesquisadores, professores e empreendedores do Ocidente para divulgar a cultura empreendedora. O autor deste livro teve a oportunidade de fazer palestras em Cuba sobre a cultura empreendedora, acompanhadas com grande interesse.

O intra-empreendedor Na era industrial, cuja ênfase é a otimização do desempenho da produção, o elemento principal é o especialista, alguém que domina os conhecimentos da área em que atua, ou seja, está a par dos avanços feitos até o passado mais recente. Na era do conhecimento um novo elemento passa a ser o centro da competitividade: a capacidade de inovar. Isto faz com que o profissional dos novos tempos, além de dominar os conhecimentos do estado-da-arte, deve ser especialista no que não existe, ou seja, deve ser capaz de conceber um novo futuro e de transformá-lo em realidade. Exige-se hoje, mesmo para aqueles que vão ser empregados, um alto grau de empreendedorismo. As empresas de base tecnológica precisam de colaboradores que, além de dominar a tecnologia, conheçam o negócio, saibam auscultar os clientes, atender a suas necessidades e, principalmente, introduzir inovações.

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QUADRO I.1 Agentes na empresa inovadora Empreendedor

Intra-empreendedor

Motivação

Motivado pelo poder

Motivado pela liberdade de ação, automotivado

Atividades

Delega sua autoridade. O trabalho de escritório mobiliza todas as suas energias

Arregaça as mangas. Colabora no trabalho dos outros

Centro de interesse

Sobretudo os acontecimentos internos à empresa

O erro e o fracasso

Esforça-se para evitar os erros e as surpresas

Principalmente o que se passa fora da empresa: o mercado, a dinâmica do negócio

Considera que o erro e o fracasso são ocasiões para aprender alguma coisa

Tudo o que acontece dentro e fora das empresas. Compreende as necessidades do mercado

Decisões

Aprova as decisões dos seus superiores. Certifica-se do que eles querem antes de agir

Segue a própria visão. Toma suas próprias decisões e privilegia a ação em relação à discussão

Mestre na arte de convencer os outros da boa fundamentação da sua visão. Orientado para a ação, mas pronto para o compromisso

Competências Usualmente graduado em Administração. Possui habilidades políticas

Atitude frente Vê a burocracia com ao sistema satisfação; ela protege seu status e poder

Relações com Funciona tendo a os outros hierarquia como princípio básico

Tem mais faro para os negócios que habilidades gerenciais ou políticas. Conhece o negócio, o setor em que atua; voltado para oportunidades

Se o sistema não o satisfaz, ele o rejeita para construir o seu

As transações e a negociação são seus principais modos de relação

Motivado pela liberdade de ação e pelo acesso aos recursos organizacionais. Automotivado mas sensível às recompensas organizacionais Pode delegar, mas coloca a mão na massa quando necessário

Parecido com o empreendedor, mas utiliza certa habilidade política

Dissimula os projetos de risco para não macular a imagem de qualidade de sua empresa ou unidade

Acomoda-se ao sistema ou o leva ao curto-circuito sem o abandonar As transações sociais se processam dentro do respeito às pressões hierárquicas

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O empreendedor spin-off

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Spin-offs são processos de geração de novas empresas e negócios, a partir de empresas existentes (empresas-mãe) ou de laboratórios de pesquisa. São novas “colméias” de negócios ou empresas “filhotes” “ejetadas” e apresentadas ao mercado, bem vivas, em função de oportunidades identificadas de inovação e criação de valor que exigiam novos modelos de negócios, em formatos organizacionais diferentes da organização de origem ou criando “famílias”, genealogias de negócios assemelhados e com parentesco entre si. O spin-off é uma das formas de empreendedorismo mais efetivas, porque gera empresas com alto potencial de sucesso, uma vez que aproveitam a sinergia com a empresa-mãe e com os centros de pesquisa. No Quadro 1.1, extraído de Lavoie,21 as novas exigências do ambiente econômico são extrapoladas para os perfis dos agentes no interior das empresas, numa síntese bastante elucidativa.

Ética, cidadania e responsabilidade social A formação de empreendedores nas escolas enseja uma oportunidade única de abordar os conteúdos éticos que envolvem a atividade econômica e profissional. Por sua grande influência na sociedade e na economia, os empreendedores, como qualquer cidadão, devem ser guiados por princípios e valores éticos. É importante, por exemplo, que eles saibam que os danos causados pelas licitações públicas irregulares e a prática de propinas vão além dos ganhos ilícitos de alguns: na verdade, inibem o crescimento tecnológico, tornam inútil a inovação, despreparam o país para a competição internacional. Somente deve ser considerado empreendedor aquele que oferece valor positivo para a coletividade. Empreendedorismo não pode ser considerado exclusivamente como uma via de enriquecimento individual. A sociedade também deve estar atenta para os empreendimentos cujos resultados não são aplicados na localidade onde se situam. O empreendedor deve apresentar alto comprometimento com o meio ambiente e com a comunidade; ser alguém com forte consciência social. A sala de aula é um excelente lugar para o debate desses temas. Segundo Tocqueville,22 a diferença entre indivíduo e cidadão é que este procura o seu bem-estar construindo primeiro o bem-estar da sua comunidade, enquanto o indivíduo 34

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segue o caminho inverso: cada um por si e o poder público por todos. A sustentabilidade nasce na coletividade e se estende aos indivíduos, e não o contrário. O conceito de responsabilidade social das empresas e dos atores econômicos é recente e significa uma conquista da cidadania. No entanto, é inegável que, sob o ponto de vista ético, toda e qualquer responsabilidade tem a ver com a vida humana, o equilíbrio ecológico, com a vida em todas as suas manifestações. Em outras palavras, deve ser biocêntrica. A mensagem da “responsabilidade social” deve ser entendida como: o objetivo central não é o produto, mas a vida, a democracia, a felicidade. O tema da ética é retomado no Capítulo 4.

Duas formas de empreender

A pequena empresa A forma de empreender através de pequenas empresas foi primeiro percebida pela Inglaterra, que criou grupos de pesquisa para estudar a importância da pequena empresa na economia após a Primeira Guerra Mundial, na década de 1920. Uma das descobertas foi que os pequenos negócios geram mais empregos do que as grandes organizações. As pesquisas continuaram e, em 1971, o relatório da Comissão Bolton demonstrou: os pequenos negócios surgem quando as circunstâncias não favorecem a produção em massa das grandes empresas e sua conseqüente economia de escala. Ele evidenciou também que os pequenos negócios são criados por empreendedores, o que reserva a estes e aos que geram o auto-emprego lugar central no campo do empreendedorismo. Segundo Cozzi,23 citando Kirchhoff, na década de 1970 um estudo do U.S. Small Business Administration – SBA – sobre emprego de mão-de-obra concluiu que as pequenas empresas criavam cerca de 80% do emprego líquido nos EUA, ou seja, elas proporcionavam mais crescimento econômico que as grandes empresas. Essa descoberta causou perplexidade entre os economistas neoclássicos por duas razões: primeiro, porque provava que a economia de escala não dominava o crescimento econômico, já que as pequenas, e não as grandes empresas, eram responsáveis pelo crescimento da economia. Segundo, porque sugeria que a teoria da destruição criativa de Schumpeter descrevia melhor a economia. Para Kirchhoff (1997), essa descoberta colocou em dúvida o modelo do capitalismo americano baseado na teoria econômica neoclássica e transformou os empreendedores em heróis. Com o reconhecimento da contribuição do empreendedorismo para a sociedade americana, o emprego nas grandes 35

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organizações deixou de ser o primeiro objetivo de quem está procurando trabalho e renda. Ficar economicamente independente por meio da iniciativa individual virou a última expressão do ideal americano de individualismo. Nas palavras do autor: “Empreendedores criam riqueza através da inovação e estão no centro da geração do emprego e do crescimento da economia. Empreendedores criam um mecanismo de distribuição de riqueza que depende da inovação, de trabalho duro e de assumir risco. Como isso é largamente respeitado como base apropriada para a distribuição da riqueza, os empreendedores criam um método ‘justo e eqüitativo’ de redistribuição de riqueza.” (KIRCHHOFF, 1997, p. 455)

O auto-emprego Os tempos atuais são marcados pelo aumento da opção pelo auto-emprego e pelo surgimento de empreendedores involuntários, representados principalmente por recém-formados e por trabalhadores demitidos de corporações e órgãos públicos em virtude de reestruturações, fechamentos, privatizações, fusões, etc. Ou seja: pessoas que, não conseguindo colocação ou recolocação no mercado, se vêem forçadas a criar seu próprio emprego como única alternativa de sobrevivência. Muitos dos empreendedores involuntários não são movidos pela inovação; portanto, não poderiam ser chamados de empreendedores no sentido schumpeteriano do termo. O conceito de sucesso também vem sofrendo mudanças entre jovens empreendedores, que o associam muito mais a critérios internos, como auto-realização, do que a critérios extrínsecos, como status ou altos lucros.

Formar empreendedores e não empresas Muitos pensam que as empresas existem sem os empreendedores, os que as criam. Educar na área de empreendedorismo ou disseminar uma cultura empreendedora significa preparar pessoas capazes de criar empresas. Por que tal distinção? Porque empreender significa identificar oportunidades permanentemente, inovar e mudar sempre. A visão mecânica do mundo empresarial nos quer dizer, equivocadamente, que uma empresa, depois de lançada, caminhará com as próprias pernas. Sabemos que empreender significa identificar oportunidades e inovar permanentemente. Para permanecerem, as empresas precisam se transformar. Não raro testemunhamos a queda de gigantes empresariais aparentemente indestrutíveis. 36