paula vieira de sousa - RI UFBA - Universidade Federal da Bahia

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farmacêuticas: brasileira e indiana / Paula Vieira de Sousa. – 2010. 55 f. il. Orientador: Prof. Dr. Hamilton de Moura Ferreira Júnior. Trabalho de Conclusão de ...
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

PAULA VIEIRA DE SOUSA

O SISTEMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NO DESENVOLVIEMENTO DAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS: BRASILEIRA E INDIANA

Salvador 2010

PAULA VIEIRA DE SOUSA

O SISTEMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NO DESENVOLVIMENTO DAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS: BRASILEIRA E INDIANA

Trabalho de conclusão de curso apresentado no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia, como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof Dr. Hamilton de Moura Ferreira Junior.

Salvador 2010

S725

Sousa, Paula Vieira de O sistema de propriedade intelectual no desenvolvimento das indústrias farmacêuticas: brasileira e indiana / Paula Vieira de Sousa. – 2010. 55 f. il. Orientador: Prof. Dr. Hamilton de Moura Ferreira Júnior. Trabalho de Conclusão de Curso (Economia) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Ciências Econômicas. 1. Indústria farmacêutica – Aspectos econômicos. 2. Tratados comerciais. 3. Medicamentos genéricos. I. Ferreira Júnior, Hamilton de Moura. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Ciências Econômicas. III. Título. CDD: 338.476 – 22.ed.

PAULA VIEIRA DE SOUSA

O SISTEMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NO DESENVOLVIEMENTO DAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS: BRASILEIRA E INDIANA

Aprovada em

julho de 2010

Orientador: _____________________________________ Prof. Hamilton de Moura Ferreira Junior Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA _______________________________________ Luiz Alberto Teixeira Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA _______________________________________ Prof. Antônio Plínio Pires de Moura Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA

Dedico aos meus pais e ao meu irmão pelo apoio e incentivo em toda esta trajetória. Obrigada!

AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de agradecer a todos que participaram e contribuíram, direta ou indiretamente, para a elaboração desta monografia. Primeiramente, agradeço a Deus, por estar sempre iluminando o meu caminho e me dando força para continuar. Agradeço aos meus pais, e especialmente à minha mãe, pelo apoio e horas de trabalho, revisando, aprimorando e normalizando junto comigo. Agradeço ao meu orientador, Prof. Hamilton de Moura Ferreira Jr., pelo incentivo e por acreditar na realização deste trabalho. Aos amigos e companheiros da Unidade de Estudos Setoriais (UNES) pelas horas de estudos, pesquisas e trocas de informações durante todo o período. A todos os meus familiares, tios e tias, avô e avó, primos e primas, e aos meus amigos, pelas palavras de apoio e estímulo. Agradeço a Álvaro Cardoso, da Faculdade de Educação/UFBA, pela colaboração na revisão do texto.

RESUMO

O

presente

trabalho

tem

como

objetivo

demonstrar,

comparativamente

o

desenvolvimento das indústrias farmacêuticas brasileira e indiana, baseado no principal marco do sistema de propriedade intelectual, o Acordo Trips, em inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights. Além deste, outros fatores também são analisados e apontados como determinantes dos caminhos seguidos por esta indústria nesses países. O resultado demonstra um maior desenvolvimento da indústria indiana perante a brasileira, sendo considerada a maior influência para este resultado a decisão da Índia em utilizar todo o período de transição disponível para os países em desenvolvimento. No entanto, o Brasil aderiu ao Acordo em apenas um ano, o que prejudicou o avanço industrial dessa indústria. Palavras-chave: Indústria Farmacêutica – Aspectos econômicos. Tratados comerciais. Medicamentos genéricos.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1

Figura 1 Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Gráfico 1 Gráfico 2 Gráfico 3 Quadro 2 Quadro 3

Descrição das principais disposições e flexibilidades do Acordo Trips relacionadas com o acesso a medicamentos..................................................................... Estágios da cadeia produtiva farmacêutica......................... Vendas globais da Indústria Farmacêutica por região – 2006 .................................................................................... As 10 maiores empresas da Indústria Farmacêutica – 1996 e 2005......................................................................... Principais exportadores de produtos farmacêuticos de 2003 a 2005 (U$$ bilhões).................................................. Principais importadores de produtos farmacêuticos de 2003 a 2005 (U$$ bilhões).................................................. Evolução das exportações e importações do setor farmacêutico – Brasil 1994-2004........................................ Carga Tributária total sobre valor agregado (em %) Brasil - 2003.................................................................................. Indústria farmacêutica, carga tributária sobre o preço final dos medicamentos. Brasil- média 2000- 2004 ................... Principais vantagens e desvantagens da indústria indiana.. Índia: principais forças e fraquezas da Indústria Farmacêutica.......................................................................

21 31 34 35 36 36 39 41 42 48 49

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO..............................................................................................

2

DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL NA INDÚSTRIA

9

FARMACÊUTICA........................................................................................

12

2.1

MODELO DE KUPFER, FERRAZ E HAGUENAUER................................

12

2.2

DA ORIGEM AO ATUAL SISTEMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL .............................................................................................

2.3

17

PROPRIEDADE INTELECTUAL E PROPRIEDADE INDUSTRIAL..................................................................................................

23

2.4

PATENTES FARMACÊUTICAS...................................................................

25

3

A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: OS CAMINHOS SEGUIDOS PELAS INDÚSTRIAS BRASILEIRA E INDIANA...................................

29

3.1

PANORAMA DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA.....................................

29

3.2

A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA.......................................

38

3.3

A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA INDIANA..............................................

45

4

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................

50

REFERÊNCIAS..............................................................................................

53

ANEXO..............................................................................................................

56

9

1

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por finalidade analisar comparativamente o desenvolvimento da Indústria Farmacêutica brasileira e indiana, baseado no principal marco do sistema de propriedade intelectual, o Acordo Trips, em inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, que envolve,

aproximadamente, 148 países, membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). Este e outros fatores influenciaram a trajetória desses países, modificando o destino das suas indústrias. A escolha da Índia não foi feita aleatoriamente,

mas

pelo crescimento

global que sua

indústria vem

demonstrando, e adicionalmente a decisão tomada perante o referido Acordo. Portanto, o principal objetivo da pesquisa é demonstrar, apresentando comparações, como o Brasil e a Índia se desenvolveram nesta indústria, tendo como marco as decisões tomadas acerca do Acordo Trips. Para atingir o objetivo traçado, foi feito um levantamento bibliográfico sobre o sistema de propriedade intelectual, com o intuito de entender a sua história e sua influência no campo da Indústria Farmacêutica. O modelo de Kupfer, Ferraz e Haguenaer é trazido para dar suporte à discussão, enfatizando o sistema regulatório como um dos fatores determinantes da competitividade. Essas questões se relacionam com o tema, pois o principal meio de competitividade

desta

indústria

está

fundamentado

nas

pesquisas

e

desenvolvimento de novas moléculas e princípios ativos, objetivando originar um medicamento novo e inovador. Este, por sua vez, é preciso estar protegido para que possa assegurar que nenhuma outra empresa venha copiar todo o trabalho e investimento realizado durante muitos anos. Esta forma de proteção é chamada de Patente; existindo não só na Indústria Farmacêutica, mas na área da música, artes e outras. A inovação é, assim, a base da competitividade dessa indústria e só é assegurada através desse documento que atesta o privilégio legal concedido a uma invenção. Esta faz parte do sistema de propriedade intelectual, que

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atualmente é bem mais rígido, e traz mais proteção para os detentores da inovação. A hipótese básica que orientou o trabalho foi a vantagem da Índia perante o Brasil, diante das decisões tomadas pelos países no Acordo Trips. Este disponibilizava cinco anos como período de transição e prorrogáveis por mais cinco para os países em desenvolvimento, ou seja, teriam no total até 2005 para fazer o reconhecimento das patentes. O Brasil, por sua vez, optou por aderir ao Acordo com apenas um ano de vigência; a Índia, no entanto, utilizou todo o seu período de transição, assinando o Acordo somente em 2005. Dessa forma, a hipótese foi baseada nessa atitude tomada pela Índia, que teve tempo de fortalecer e estruturar seus parques industriais, levando vantagem pelo fato de não reconhecer Patente e poder desenvolver o setor de genéricos, levando a Indústria Farmacêutica indiana, atualmente, ao topo deste mercado no mundo. Os genéricos são medicamentos mais baratos, visto que não necessitam de investimentos com P&D e marketing, que são os maiores custos nesta indústria; são também cópias de medicamentos originais de marca, após a expiração das suas patentes, e se diferenciam dos chamados similares pelo testes de bioequivalência, onde assegura a equidade dos medicamentos. O interesse pelo tema foi despertado pela integração ao grupo de pesquisa Unidade de Estudos Setoriais (UNES), coordenado pelo Prof. Dr. Hamilton de Moura Ferreira Jr., dessa Faculdade. Este grupo estuda a Indústria Farmacêutica e, em março de 2010, finalizou o principal projeto dos últimos dois anos, intitulado Análise da viabilidade econômica da Empresa Baiana de Medicamentos Genéricos (BAHIAFARMA) na produção de anticoncepcionais orais. Dessa forma, neste estudo pretende-se apresentar a questão problema do comparativo do desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira e indiana, a partir do sistema de propriedade intelectual – Acordo Trips.

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O trabalho encontra-se estruturado em quatro capítulos, incluindo esta Introdução. No capítulo 2, Direitos de propriedade intelectual na Indústria Farmacêutica, faz-se uma breve explicação dos modelos dos autores: Kupfer, Ferraz e Haguenaer, seguida do histórico do sistema de propriedade intelectual. Na sequência, apresenta-se uma diferenciação entre propriedade intelectual e propriedade industrial.

Finaliza-se este capítulo, abordando as patentes

farmacêuticas. O capítulo 3, A Indústria Farmacêutica: os caminhos seguidos pelas indústrias brasileira e indiana, apresenta um panorama dessa indústria para então tratar, especificamente, da indústria brasileira e indiana, apontando suas vantagens e desvantagens, os pontos fortes e fracos do caminho seguido por estes países. O capítulo 4, Conclusão, descreve comparativamente a situação dos dois países analisados e aponta suas principais diferenças. Por fim, são apresentadas as Referências que subsidiaram o trabalho.

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2

DIREITOS

DE

PROPRIEDADE

INTELECTUAL

NA

INDÚSTRIA

FARMACÊUTICA

2.1 MODELO DE KUPFER, FERRAZ E HAGUENAUER

O Modelo de Competitividade e Padrões de Concorrência do livro Made in Brasil, de autoria de Kupfer, Ferraz e Haguenauer (1997), enfatiza fatores determinantes para a competitividade e a elaboração de estratégias pelas empresas. Ele, teoricamente, embasará as subseções seguintes que tratam do desempenho e eficiência das indústrias brasileira e indiana, principalmente após a mudança no sistema de propriedade intelectual. Nos estudos divulgados sobre competitividade, percebe-se a falta de harmonia quanto a uma definição do conceito para este fenômeno. Mas, a maioria deles acreditam haver duas “famílias” de conceitos. Para a primeira família, a competitividade é considerada como desempenho, sendo expressa na participação do mercado quando a firma atinge um mercado em um determinado tempo. O seu principal indicador é a participação no mercado internacional através das exportações da firma, indústria ou nação. Dessa forma, pode-se entender, este conceito, destacando a demanda como a principal determinante, pois esta decidirá quais os produtos e de quais empresas serão adquiridos, e a competitividade considerada, portanto, uma variável ex post. A segunda família trata a competitividade como eficiência, ou como competitividade potencial. A competitividade é traduzida como a capacidade que a empresa tem de transformar insumo em produto, com o máximo de rendimento possível, e os indicadores para ele são os comparativos de preços e custos, coeficientes técnicos ou produtividade dos fatores. Percebe-se, então, que neste caso a competitividade é um fenômeno ex ante, que reflete a capacidade das empresas nas técnicas praticadas.

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Porém, os autores não tratam a competitividade em seu modelo sobre nenhuma ótica dos conceitos apresentados. Eles acreditam serem enfoques limitados, por se tratar de análises estáticas da competitividade, os quais só analisam o comportamento passado dos indicadores sem relacioná-lo com uma evolução da competitividade. Dessa forma, os autores definiram competitividade como “[...] a capacidade da empresa formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado”. (FERRAZ; KUPFER; HAGUENAUER, 1997, p. 3) Logo, diferenciando-se das já citadas abordagens, porque traduz uma dinâmica do processo de concorrência no mercado. Assim, na visão dinâmica proposta pelos autores, o que proporciona um desempenho no mercado e a eficiência produtiva é a capacitação acumulada das empresas, as quais refletem as estratégias competitivas adotadas em função de suas percepções quanto ao processo concorrencial e ao meio ambiente econômico onde estão inseridas. Dessa forma, o que se percebe é a relação da competitividade com o padrão de concorrência de cada mercado, afastando-se de ser entendida como característica intrínseca de um produto ou firma, e sendo padrão de concorrência conceituado como conjunto de fatores críticos de sucesso em um mercado específico. Ao partir para uma análise mais detalhada da competitividade, tem-se como elemento central a empresa. Considera-se o seu espaço de planejamento e produção em torno de áreas de competências, que serão analisadas como: gestão, inovação, produção e recursos humanos. A área de gestão compreende as tarefas administrativas, planejamento estratégico e o suporte à tomada de decisão, as finanças e o marketing, incluindo as atividades pós-venda. A atividade de inovação envolve as pesquisas e desenvolvimento de processos e de produtos e a transferência de tecnologias através de licenciamento ou outras formas de intercâmbio tecnológico. A esfera da produção envolve os recursos manejados na tarefa manufatureira, desde os equipamentos e instalações aos métodos de organização da produção e de controle da qualidade. À quarta área, os recursos humanos, corresponde ao conjunto de condições que caracterizam as relações de trabalho, envolvendo os aspectos de produtividade, qualificação e flexibilidade de mão de obra.

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A capacitação resulta, pois, do estoque de recursos de todos os tipos, desde materiais, humanos, até os informacionais. Estão em constante mutação, devido aos esforços das empresas em adquirir novas capacitações, que são feitas através das suas escolhas em função das prioridades, e expressam as estratégias competitivas adotadas pelas empresas. Conclui-se que “[...] as firmas competem através do tempo despendendo recursos com o propósito de financiar suas estratégias competitivas [...]”. (FERRAZ; KUPFER; HAGUENAUER, 1997, p. 4) Desta forma se faz entender que uma capacitação em determinadas áreas, hoje, será o resultado de estratégias escolhidas anteriormente. Porém, pode-se também entender esse sistema como uma “via de duas mãos”. Isso devido ao fato que, se por um lado a empresa escolhe uma estratégia que lhe permite ampliar as capacitações em determinada direção, por outro torna uma restrição para outras estratégias em que não obtenha competência, pois é necessário tempo para desenvolver o aprendizado e recursos. Portanto, é preciso bastante cuidado ao escolher as estratégias empresariais, pois se devem buscar os elementos centrais da compreensão da competitividade. De acordo com os autores, envolvem avaliações de duas ordens: 1) A estratégia deve ser factível, e os seguintes aspectos devem ser levados em conta: a capacitação acumulada, o potencial financeiro, o tempo de preparação e maturação exigido por cada estratégia e as economias e deseconomias dinâmicas existentes. 2) A estratégia deve ser economicamente atrativa. Esta é decidida pelo balanço dos gastos requeridos no seu financiamento, frente aos riscos esperados e retornos proporcionados. Contudo, as estratégias não geram resultados imediatos, dependendo, portanto, da percepção dos empresários quanto ao futuro, principalmente das empresas concorrentes. As empresas dispõem de diversas formas de competição, entre elas, as políticas de preços, qualidade, habilidade de serviços, mas cada mercado tem suas particularidades e só reage a um conjunto ou subconjunto de fatores. O padrão de concorrência setorial é estabelecido pelas regularidades nas formas dominantes de competição de cada mercado.

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Dessa forma, pode-se definir a interação da competitividade com o padrão de concorrência como: [...] A competitividade é, portanto, função da adequação das estratégias das empresas individuais ao padrão de concorrência vigente no mercado específico. Em cada mercado vigoraria um dado padrão de concorrência definido a partir da interação entre estrutura e condutas dominantes no setor. Seriam competitivas as firmas que a cada instante adotassem estratégias competitivas mais adequadas ao padrão de concorrência setorial [...]. (FERRAZ; KUPFER; HAGUENAUER, 1997, p. 7)

O estudo da competitividade está atrelado a um grande número de variáveis desde o processo de vendas, capacitação produtiva como acesso às fontes de matériasprimas e fornecedores, recrutamento e treinamento de mão de obra, a inovação e difusão de técnicas até aspectos de natureza legal. Esses fatores são considerados geradores de vantagens competitivas, os quais interagem dentro do sistema econômico em que as empresas são integrantes e podem favorecer ou restringir cada uma delas. Assim, observam-se, ao mesmo tempo, os processos internos à empresa e à indústria e as condições econômicas gerais do ambiente produtivo. Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1997) identificam os fatores determinantes para o comportamento dinâmico da competitividade e afirmam que eles transcendem o nível da firma e se caracterizam por estarem relacionados à estrutura da indústria e do mercado, e ainda ao sistema produtivo como um todo. Definiram como três os grupos de fatores a saber: 1) os empresariais (internos à empresa); 2) os estruturais (referentes à indústria/ complexo industrial); 3) os sistêmicos. Os fatores empresariais são caracterizados por serem de domínio das empresas, pois conseguem controlar ou modificar através da sua conduta o processo decisório. Envolve o estoque de recursos acumulados pelas empresas e as estratégias de ampliação desses recursos por elas adotadas, abrangendo as áreas de competência: inovação, gestão, recursos humanos e produção. Os fatores estruturais não estão totalmente sobre o controle das empresas, uma vez que elas têm a capacidade limitada pela mediação do processo de concorrência. As empresas se enfrentam num ambiente competitivo, envolvendo as características da demanda e da oferta, mas também a influência de instituições extra-mercado, públicas e não públicas, que definem o regime de incentivos e regulação da concorrência

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prevalecente. Exemplos de fatores estruturais: taxas de crescimento, oportunidades de acesso ao mercado internacional, intensidade do esforço em P&D e as oportunidades tecnológicas, o grau de verticalização e diversificação setoriais dentre muitos outros. Os últimos, porém, mais importante para o presente estudo, são os fatores sistêmicos; eles serão analisados mais a fundo, a fim de ajudar o entendimento deste trabalho. Os fatores sistêmicos não permitem nenhuma possibilidade de intervenção das empresas, e podem se apresentar do lado da oferta, afetando os custos e a qualidade dos insumos e, pelo lado da procura, definem em que medida e em que termos a sociedade demanda o desempenho competitivo de suas empresas. Esses

fatores

sistêmicos

foram

identificados

como:

a)

fatores

macroeconômicos: taxa de câmbio, carga tributária, oferta de crédito, taxas de juros e outros; b) político- institucional: política tributária, política tarifária, apoio fiscal ao risco tecnológico, poder de compra do governo; c) legais- regulatórios: políticas de proteção à propriedade intelectual, de preservação ambiental, de defesa da concorrência e proteção ao consumidor, de regulação ao capital estrangeiro; d) infraestruturais: disponibilidade, qualidade e custo de energia, transporte, telecomunicações, insumos básicos e serviços tecnológicos; e) sociais: sistema de qualificação da mão de obra, políticas de educação e formação de recursos humanos, trabalhistas e de seguridade social; f) internacionais: tendências do comércio mundial, fluxos internacionais de capital, de investimento de risco e de tecnologia, relações com organismos multilaterais, acordos internacionais. Dos diversos fatores, um merece destaque neste estudo, os determinantes legais-regulatórios. Eles se tornam relevantes por terem como um dos principais instrumentos, o regime de proteção à propriedade intelectual. Além desse, existem outros instrumentos como a defesa da concorrência e do consumidor, a defesa do meio ambiente e o regime de controle do capital estrangeiro, afetam a criação e o fortalecimento do ambiente competitivo. Os instrumentos regulatórios são regras recomendadas por organismos multilaterais ou vigentes, nos principais blocos de países e parceiros comerciais, que têm como objetivo conciliar as condições de intervenção e regulação do Estado na economia local; dessa forma, o estado cumpre um papel mais passivo.

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Diante das mudanças globais como as institucionais e a liberalização da atividade econômica, percebe-se a entrada dos instrumentos regulatórios como instrumento de política industrial. Observa-se também um entrosamento com a política comercial, devido ao crescimento das barreiras técnicas ao comércio internacional e pela melhora da legislação anti-dumping. Pode-se constatar a importância e interferência dos aparatos regulatórios na competitividade do mercado, o que traz a necessidade da capacitação das agências públicas responsáveis por administrá-los, objetivando mais eficiência e agilidade. Como exemplo de um instrumento regulatório, cita-se a criação do sistema de propriedade intelectual, o qual teve como principal marco a assinatura do Acordo Trips, em 1994. Regido por regras e leis que trarão impactos para a competitividade da Indústria Farmacêutica, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O estudo irá se aprofundar nos impactos que este Acordo trouxe para a Indústria Farmacêutica brasileira e indiana.

2.2 DA ORIGEM AO ATUAL SISTEMA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

O sistema de propriedade intelectual iniciou-se no século XIX, logo após a revolução industrial, atendendo reivindicações dos industriais que desejavam um ambiente mais seguro e protegido para as suas invenções. Almejavam obter um sistema de patentes tendo em mira um controle maior da produção e um sistema de marcas visando à distribuição. (OLIVEIRA, et al., 2007) Porém, nesse início, o sistema foi diminuto e sem uma dimensão internacional como se tem atualmente. Como principais marcos legais da construção desse atual sistema pode-se citar: a Convenção da União de Paris (CUP), em 1883, a Convenção da União de Berna (CUB), em 1886, a Rodada do Uruguai entre 1986 e 1994 e o Acordo Trips, em 1994. (CHAVES et al., 2007) Em 1873, através de uma reivindicação dos EUA, registrou-se o primeiro indício da construção de um sistema de propriedade intelectual. Em uma exposição internacional, na Áustria, os EUA se recusaram a mostrar seus inventos sem qualquer proteção jurídica, com receio da imitação. Isto porque de fato era inexistente um sistema internacional de patente. Este protesto do governo norte americano resultou em alertar

18

os industriais e advogados para a necessidade de instituir um tratado internacional para proteção das inovações tecnológicas. Então, em 1883, foi realizada a Convenção da União de Paris (CUP), tendo como objetivo central a discussão da propriedade industrial. (BARBOSA, 2003) Foi, então, na CUP que 14 países elaboraram e assinaram um acordo criando um sistema de propriedade intelectual. Esta Convenção, que está parcialmente em execução até os dias atuais, estabeleceu os pilares deste sistema que até hoje vigoram: a independência das patentes e marcas, tratamento igual para nacionais e estrangeiros e o direito de prioridade. (OLIVEIRA; ZEPEDA BERMUDEZ; OSORIODE-CASTRO, 2007) Dessa maneira, começou aos poucos a ser inserido o tema propriedade intelectual nos encontros internacionais, devido principalmente a influências das empresas produtoras de inovação aliadas aos EUA e aos países desenvolvidos, representando uma grande força perante o mundo. O assunto foi considerado de nível estratégico, visto que os custos com alta tecnologia e inovação são muito altos, a exemplo da indústria farmacêutica que gasta cerca de U$ 350 milhões para descobrir uma molécula. (DOMINGUES, 2005) A Convenção da União de Berna ocorreu logo em seguida, porém com um objeto diferenciado, esteve voltada ao campo das obras literárias e artísticas. Não demorou muito para que esses tratados se fundissem e criassem o Escritório Unificado Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (BIRPI), que em 1970 deu origem à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), localizada em Genebra, Suíça, uma das agências especializadas da ONU. (CHAVES et al., 2007) Na ordem dos acontecimentos que marcaram o Sistema de Propriedade Intelectual a Rodada do Uruguai, foi o último e mais importante dos oito encontros que fizeram parte do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio: o Gatt (General Agreement on Tariffs and Trade). Este iniciou como um simples acordo, em 1947, mas se transformou na prática em um órgão internacional, o qual servia de base institucional para diversas rodadas de discussão sobre o comércio, com o principal objetivo de eliminar as barreiras comerciais, ou seja, a proteção de produção doméstica da concorrência internacional. O Gatt ficou conhecido pelas rodadas de negociações, tendo como a mais marcante a Rodada do Uruguai, por ter sido a mais longa; durou entre 1986 a 1994, e mais ampla no âmbito dos assuntos abordados. O resultado fundamental foi à criação da

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Organização Mundial do Comércio (OMC) e a assinatura de diversos acordos multilaterais, dentre eles o Acordo Trips. Desta forma, acabou por culminar com uma marcante mudança na estrutura do comércio e concorrência mundial. (DOMINGUES, 2005) A OMC teve como principais atribuições,

[...] administrar os novos acordos multilaterais de comércio, organizar foros para novas negociações, solucionar conflitos, monitorar as políticas nacionais de comércio e cooperar com outros organismos internacionais no desenho das políticas econômicas ao nível mundial. (OLIVEIRA; ZEPEDA BERMUDEZ; OSORIO-DECASTRO, 2007, p. 52)

A criação da OMC foi vista como um divisor no âmbito internacional do sistema de propriedade intelectual. Anteriormente, o centro representativo da proteção e promoção dos direitos de propriedade intelectual era a OMPI, porém era vista como deficiente. Diante do novo contexto internacional, as normas sobre proteção da propriedade intelectual ganharam especial tratamento. O principal e mais importante ato dessas transformações foi a assinatura do Acordo Trips1, em inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, causado pela ineficiência das convenções internacionais. (DOMINGUES, 2005) O Acordo Trips foi assinado em 1994 e integra o Acordo Constitutivo da OMC. Pode ser considerado “[...] o diploma internacional multilateral sobre propriedade intelectual mais abrangente celebrado até esta data”. (LICKS apud DOMINGUES, 2005, p. 31) O Acordo significou a relação direta entre os direitos de propriedade intelectual e o comércio, após a insistência da inclusão do tema de propriedade intelectual, serviços e investimentos na rodada do Uruguai, por parte dos industriais norte-americanos de computadores, sofwares, microeletrônica, produtos químicos, produtos farmacêuticos e biotecnologia. (CHAVES et al., 2007)

1

TRIPS em português tem o nome de Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC).

20

O Trips entrou em vigor em janeiro de 1995, com a condição de que todos os países membros da Organização Mundial do Comércio internalizassem o Acordo para ter vigência nacional, impondo dessa forma aos membros da OMC conceder patentes em todos os campos tecnológicos, incluindo o setor farmacêutico. Segundo Domingues (2005), a principal incorporação que o Acordo trouxe para o novo Sistema de Propriedade Intelectual foi a vinculação ao comércio internacional, acarretando a inibição da concorrência. Chaves e colaboradores (2007) ressaltam também duas características importantes do Trips: a determinação de regras mais rígidas para os direitos de propriedade intelectual e o não reconhecimento da liberdade de cada país membro de adotar um arcabouço legislativo que favoreça o seu desenvolvimento tecnológico. Apesar de ter sido criticado como rígido, o Acordo previa algumas flexibilidades relacionadas ao acesso a medicamentos (Quadro 1). Uma das principais condescendências foi o período de transição, o qual consta nos artigos 65 e 66 desse documento, viabilizando prazos em até no máximo 11 anos, variando conforme o grau de desenvolvimento dos países, para que se adequassem às novas legislações internacionais. O menor prazo ficou para os países desenvolvidos com até um ano (até 1996), enquanto que os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos tiveram, respectivamente, cinco anos (até 2000) e 11 anos (até 2006) para fazê-lo. O artigo 65 ainda estabeleceu um prazo adicional para os países em desenvolvimento, cinco anos a mais, ou seja, até 2005 para reformular e conferir proteção da propriedade intelectual em campos tecnológicos não protegidos anteriormente. (CHAVES et al., 2007) O período foi concedido objetivando o ajuste da legislação dos países; contudo foi favorável àqueles países que agregassem ao fato do não reconhecimento de patentes para o setor farmacêutico, uma política de desenvolvimento industrial nacional, com o intuito de fortalecer, proporcionar aprendizado e crescimento aos parques industriais locais, contribuindo assim para a diminuição da dependência externa da área tecnológica e econômica, principal característica dos países em desenvolvimento. Um exemplo do país que seguiu exatamente estes preceitos foi a Índia, que utilizou todo o período de transição que a flexibilidade do Acordo permitia aos países

21

em desenvolvimento. Dessa forma, fortaleceu a estruturação do seu parque industrial, permitindo o desenvolvimento de pesquisas e produção de medicamentos, o que vem contribuindo economicamente para viabilizar programas de saúde em diversos países, pelo fato de poder exportar medicamentos a preços mais acessíveis do que os praticados pelas empresas transnacionais. (CHAVES et al., 2007) O Brasil, porém, não soube aproveitar o tempo disponível e passou a reconhecer patentes para o setor farmacêutico a partir de 1997, sendo defendida por muitos autores a tese de que as pressões advindas dos EUA, desde os meados dos anos 1980, aumentadas depois do Acordo Trips, tenham sido os causadores da antecipação brasileira.

DISPOSIÇÕES E FLEXIBILIDADES TERMO DA PATENTE

CRITÉRIOS DE PATENTEABILIDADE

DESCRIÇÕES Duração mínima de vinte anos para as patentes de produtos e processos, contados a partir da data do depósito do pedido da patente (Art.33). As patentes serão concedidas para todas as invenções, sejam produtos ou processos, em todos os campos tecnológicos, desde que apresentem uma novidade, atividade inventiva e tenham aplicação industrial (Art. 27)

PERÍODO DE TRANSIÇÃO PARA A ADEQUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

Um ano (até 1996) para os países desenvolvidos. Cinco anos (até 2000) para os países em desenvolvimento. Onze anos (até 2006) para os países menos desenvolvidos (Art. 65 e 66).

PERÍODO DE TRANSIÇÃO PARA O SETOR FARMACÊUTICO

Dez anos ou até janeiro de 2005 para conceder patentes em campos tecnológicos não protegidos antes da entrada em vigor do Acordo Trips (janeiro de 1995) (Art. 65). Nota: Países menos desenvolvidos que não reconheciam patentes no setor farmacêutico antes de janeiro de 1995 têm um prazo adicional de 11 anos para fazê-lo, ou seja, até 2016, conforme estabelece a Declaração sobre o Acordo Trips da OMC e da Saúde Pública, assinada em Doha, Catar, em novembro de 2001.

USO EXPERIMENTAL

A patente não deve impedir o uso experimental da invenção por terceiros com propósitos científicos ou com propósitos comerciais que não estejam em desacordo com a exploração normal da patente e não prejudique os legítimos interesses do titular da patente, levando em conta os legítimos interesses desses terceiros.

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ESGOTAMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

De acordo com o princípio do esgotamento de direitos, o direito exclusivo do titular da patente de importar um produto protegido se esgota e, desse modo, termina quando este produto é lançado no mercado pelo titular ou por terceiros de forma legítima. Quando a legislação de um país prevê o esgotamento internacional dos direitos de propriedade intelectual, a importação paralela está autorizada a todos os residentes deste país (Art. 6).

IMPORTAÇÃO PARALELA

Produtos importados para um país sem autorização do titular da patente neste país e que tenham sido introduzidos no mercado do país exportador pelo titular da patente ou por terceiros com o seu consentimento (Art.6).

LICENÇA COMPULSÓRIA

Autorização concedida por uma autoridade judicial ou administrativa para a utilização, por terceiros, de uma invenção patenteada, sem o consentimento do titular da patente.

EXCEÇÃO BOLAR Permite a uma empresa completar todos os procedimentos e testes (TRABALHO necessários para registrar um produto genérico antes do prazo de ANTECIPADO) expiração da patente (Art.30). Quadro 1 – Descrição das principais disposições e flexibilidades do Acordo Trips relacionadas com o acesso a medicamentos Fonte: Oliveira e colaboradores (2004 apud OLIVEIRA et al., 2007, p. 53)

O Acordo Trips é bastante questionado pelos autores da área e, principalmente, pelos países em desenvolvimento. Essa insatisfação é causada pela desvantagem em que os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos se encontram diante dos países possuidores de tecnologia. Essa superioridade é questionada devido ao impacto na saúde pública e no acesso aos medicamentos. Dessa forma, os países emergentes têm argumentado e sustentado, nos foros e encontros internacionais, uma forma menos rígida e mais complacente com as necessidades sociais e dos direitos humanos, para que o Acordo Trips não tenha impactos negativos na saúde pública. (DOMINGUES, 2005) Os questionamentos acabam por figurar um trade-off entre estímulos à inovação, através da proteção das patentes aos medicamentos inovadores e à difusão da inovação dos produtos farmacêuticos, o que impacta na saúde pública por impedir o acesso aos medicamentos por um preço mais acessível em um tempo máximo de 20 anos. As patentes dos medicamentos inovadores acabam por fornecer um monopólio, no qual os preços podem ser sobrecarregados pelas empresas detentoras. A crise na África, com a expansão da pandemia do HIV, trouxe à tona o relacionamento entre o Trips e a saúde. Em meio a essa discussão, ocorreria a quarta reunião ministerial da OMC, em Doha, Catar, e assim foi incluído na pauta e aprovada a

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Declaração sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, conhecida como Declaração de Doha. Assim, ocorreu em 2001 a Declaração de Doha, “[...] reconhecendo a gravidade dos problemas de saúde a que os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos estão expostos e sua relação com os efeitos que as patentes exercem sobre os preços de medicamentos”. (MEINERS, 2008, p. 1471) A Declaração não apresentou soluções ou modificou a atual forma do sistema; teve o efeito de renovar perante os países desenvolvidos que os demais países não devem ser obrigados a fazer concessões além do que foi disposto no Trips. Porém, vale ressaltar a importância política que representou a Declaração de Doha para os países em desenvolvimento e poucos desenvolvidos perante as flexibilidades dispostas no Acordo. Além disso, ficou reconhecido no Parágrafo 6º dessa Declaração, “[...] o impedimento de emissão de licença compulsória por países com falta de capacidade tecnológica para a produção de medicamentos.” (OLIVEIRA; ZEPEDA BERMUDEZ; OSORIO-DE-CASTRO, 2007, p. 57) A solução desse Parágrafo perdurou por dois anos, com uma acirrada disputa de interesses das indústrias farmacêuticas e os defensores do acesso ao medicamento. Mas, em agosto de 2003, chegou-se a uma conclusão, sendo incorporada como emenda ao Acordo Trips, em dezembro de 2005. (CHAVES et al., 2007) Apesar dos direitos terem sido reafirmados pela Declaração de Doha, os chamados Tratados de Livre Comércio (TLC) tornaram-se uma questão preocupante, por trazer em seus contratos cláusulas referentes à propriedade intelectual. Estas, contudo, quando comparadas ao Acordo Trips são consideradas mais restritivas, sendo denominadas como Trips-plus. O principal atuante em fechar tratados desse tipo são os Estados Unidos, que já o possui com o Japão, Cingapura, Jordânia e o Chile. A estratégia dos norteamericanos é restringir e tornar difícil a utilização das flexibilidades dispostas no Acordo. Mas o grande problema identificado por Oliveira, Zepeda Bermudez e Osóriode-Castro (2007, p. 59) “[...] é o enorme desequilíbrio de poder de mercado existente entre os Estados Unidos e os países em desenvolvimento”, o que ocasiona prejuízos aos países, política e economicamente, mais fracos.

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Diante do exposto, sobre o percurso do atual Sistema de Propriedade Intelectual, pode-se perceber a particularidade do setor farmacêutico; além da rigidez exposta pelo Acordo Trips, especialmente para os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos. Porém, podemos nos deparar com países como o Brasil e a Índia, de igual nível de desenvolvimento, que tiveram caminhos distintos na indústria farmacêutica, tendo como principal razão as decisões tomadas perante o Acordo Trips. Portanto, o Acordo, diante da dimensão e do rigor, pode ter sido a solução ou o problema do desenvolvimento da indústria farmacêutica dos países.

2.3 PROPRIEDADE INTELECTUAL E PROPRIEDADE INDUSTRIAL

A Propriedade Intelectual é um termo mais abrangente, que diz respeito ao direito de apropriação que o indivíduo tem sobre suas criações; as obras de artes, científicas ou industriais, que dão proteção e exclusividade ao seu criador. Essa forma de proteção é dividida em duas grandes áreas: direitos autorais e propriedade industrial. Os direitos autorais correspondem às obras literárias, artísticas ou científicas, programas de computador, topografia de circuito integrado, domínios na internet e conexos. A propriedade industrial envolve um conjunto de direitos relacionados com às atividades industriais ou comerciais do indivíduo ou companhia. (LEGAT; MARQUES, 2008; ZEPEDA BERMUDEZ et al., 2000) Zepeda Bermudez e outros autores (2000, p. 51) explicitam as formas em que a propriedade industrial pode aparecer:

A fim de proteger a produção, a Propriedade Industrial aparece na forma de patentes de invenção, modelos de utilidade e modelos e desenhos industriais, que são monopólios legais, que reconhecem o privilégio de uso e exploração exclusiva ao inventor por um prazo determinado, visando encorajar o desenvolvimento da indústria para o bem da comunidade em geral.

Todas as formas relacionadas às atividades comerciais e industriais como: marcas registradas, os nomes comerciais, as indicações de procedência e outras

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indicações visam a proteção comercial dos produtos. (ZEPEDA BERMUDEZ et al., 2000) Segundo o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI)2 (apud ZEPEDA BERMUDEZ et al., 2000) para se conseguir uma patente, é necessário que o inventor deposite no órgão oficial para tal no país um pedido sozinho ou por interdireito de exclusividade de produção e comercialização da invenção, automaticamente proibindo o uso do objeto da invenção sem sua autorização por terceiros, podendo até mover ação judicial. Essa exclusividade, porém, terá um período, e ao final deste a proteção acaba e a patente cai no domínio público, podendo ser explorada por qualquer pessoa, independente de autorização e remuneração.

2.4 PATENTES FARMACÊUTICAS

De acordo com Albuquerque (1998), o registro de uma patente é o significado de uma novidade, caso sua operacionalidade seja comprovada. Essa novidade é formada por um conjunto de informações, sendo codificada através de uma patente. A partir do conceito exposto, percebe-se o significado de uma patente para uma empresa ou indústria, que garante o monopólio temporário sobre a nova descoberta e traduz a compensação do esforço criativo e da retribuição da abertura da nova informação para a sociedade. (ALBUQUERQUE, 1998) As patentes do setor farmacêutico podem ser aplicadas a quatro possíveis aspectos de um medicamento: 1) a substância do medicamento em si; 2) o método de

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Órgão responsável por registros de marcas, concessão de patentes, averbação de contratos de transferência de tecnologia e de franquia empresarial, e por registros de programas de computador, desenho industrial e indicações geográficas, de acordo com a Lei da Propriedade Industrial, (Lei n.º 9.279/96) e a Lei de Software, (Lei nº 9.609/98) .

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uso; 3) a formulação; 4) o processo de fabricação. A patente da substância do medicamento refere-se à composição química do ingrediente ativo. A do método de uso cobre a aplicação de um medicamento para tratar uma condição específica, como insuficiência cardíaca ou depressão. A patente da formulação protege a forma física do medicamento como, por exemplo, líquido ou cápsula, ou ainda o método oral ou injetável. E por último, as patentes de processo correspondem ao método de fabricação. (ANGELL, 2007) Em especial, as patentes do setor farmacêutico diferenciam-se pelo peso e importância dentro da indústria. Elas demonstram que é a forma mais efetiva de proteção da inovação, principalmente diante do gasto de todo o processo de descoberta de um novo medicamento. As pesquisas empíricas, que traduzem em números essa realidade, tinham maior dependência entre a introdução de inovações e a proteção de patentes. Em uma amostra de 27 firmas britânicas foi detectado que essa dependência existia em 60% do P&D farmacêutico, 15% do P&D químico, 5% da engenharia mecânica e uma porcentagem pequena da eletrônica. (TAYLOR; SILBERSTON, 1973 apud ALBUQUERQUE, 1998) Em outra pesquisa, objetivando inferir os produtos que não teriam sido introduzidos caso inexistisse a proteção patentária, os resultados foram: 90% das inovações farmacêuticas, 20% das inovações químicas, eletrônicas e de maquinaria. (MANSFIELD; SCHWARTZ; WAGNER, 1981 apud ALBUQUERQUE, 1998) Segundo Albuquerque (1998), o estudo mais completo foi o Yale Survey, que analisou cerca de 650 firmas, localizadas nos Estados Unidos, de 130 indústrias diferentes. O resultado referente à importância das patentes de processo em relação a outras formas de apropriação apontou que apenas as indústrias farmacêuticas e de refino de petróleo foram julgadas pelos entrevistados como tão efetivas como outras formas de apropriação. Dessa forma, comprova-se a importância da proteção da inovação na Indústria Farmacêutica. No entanto, existem discussões entre diversos autores, órgãos e foros internacionais a respeito das barreiras que as patentes farmacêuticas trazem para o acesso aos medicamentos.

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Como exposto anteriormente, foi após o Acordo Trips que essas questões entraram em debate, devido ao amplo alcance e implicações, principalmente para os países em desenvolvimento, e acabou se tornando um dos componentes mais controversos do sistema da OMC. (CORREA, 2005) No caso dos produtos farmacêuticos, com alto custo em pesquisas de longo prazo para a obtenção de descobertas, as patentes acabam por permitir que os fabricantes estabeleçam preços acima dos custos marginais, recuperem despesas com pesquisas e desenvolvimento e obtenham lucro. Porém, a Indústria Farmacêutica alega que não são somente os preços o empecilho de acesso aos medicamentos; há, também, a necessidade de infraestrutura e manutenção profissional. (CORREA, 2005) Desse modo, neste contexto serão mencionados os pontos polêmicos evidenciados pelos dois lados da discussão. O lado da importância das patentes para a proteção das inovações na indústria farmacêutica, que, de certa forma, já foi comprovado pelas pesquisas acima, e o outro que argumenta sobre as barreiras impostas ao acesso a medicamentos e o que podem causar à saúde pública. Dados e informações da Pharmaceutical Research and Manufactures of America (MEINERS, 2008) argumentam a favor das patentes farmacêuticas. O grupo ressalta que o alto custo de lançamento de um novo medicamento pode chegar até 800 milhões de dólares, incluindo todo o processo desde a descoberta de moléculas à realização de testes até a entrada no mercado. Todas estas etapas podem levar cerca de 10 a 15 anos. Segundo Danzon (2000 apud MEINERS, 2008), de cada 10 mil moléculas pesquisadas, apenas cinco passam para a fase de testes clínicos, e somente uma é comercializada, demonstrando a baixa porcentagem de acertos. Os riscos e as incertezas alcançam também o mercado, onde apenas 30% dos medicamentos conseguem recuperar o investimento feito. Em contraposição, Meiners (2008) e outros autores alertam para a veracidade desses dados. Esta dúvida começa pela alta lucratividade que as empresas farmacêuticas apresentam, como se tem notícia, com índices recordes. O longo período apontado no desenvolvimento de um fármaco é visto com objeção, já que atualmente existem associações entre diferentes linhas de pesquisa, ocasionando uma provável redução do tempo e de recursos. (SCHERER, 2004 apud MEINERS, 2008) Os cálculos

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de custo também não levam em conta a participação de recursos públicos através dos expressos financiamentos nas pesquisas farmacêuticas. As características restritas da Indústria Farmacêutica, que permitem os lucros excessivos diante dos altos preços, são referentes à exclusividade do mercado, à concorrência ser feita por classes terapêuticas e se ter uma baixa substituição entre as classes, como um medicamento para hipertensão dificilmente será útil para outra enfermidade. Dessa forma, os medicamentos patenteados limitam durante o período de proteção uma concorrência a equivalentes, quando existem, ou a um monopólio do medicamento inovador, o que causa preços elevados. Porém, apesar da grande necessidade dos medicamentos, o poder de compra de algumas sociedades não permite o acesso, ou até mesmo o volume do orçamento destinado a programas públicos não são suficientes. Essa situação pode perdurar por um longo período, devido ao tempo assegurado de patentes farmacêuticas ser de 20 anos, sinalizando, dessa forma, o trade off existente entre os interesses de lucratividade dos industriais pelos investimentos realizados e o direito de acessibilidade da saúde pública. (MEINERS, 2008) O livro A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, da escritora americana Márcia Angell, recentemente lançado no Brasil, tem o intuito de chamar a atenção da sociedade para essa indústria que se diz inovadora. A autora, entre suas denúncias, afirma que os laboratórios farmacêuticos utilizam das prorrogações das patentes farmacêuticas dos medicamentos campeões de venda para assegurar mais alguns anos de exclusividade e lucro. O desespero dos laboratórios em poder “esticar”, ao máximo, a permanência da sua exclusividade se dá pelas versões de medicamentos genéricos que são lançados no mercado. Quando isso ocorre, o primeiro prejudicado é o laboratório inovador, devido às vendas dos medicamentos de referência caírem drasticamente. As razões para isso variam porque os medicamentos de referência não reduzem os preços e, por outro lado, os medicamentos genéricos, quando lançados no mercado, são no mínimo 35% mais baratos do que os de referência. Isso significa, para os laboratórios detentores das patentes, uma perda de centenas de milhões de dólares por ano. Diante disso, manter os genéricos fora do mercado, mesmo que seja por seis meses, pode valer muito dinheiro. Por isso, os laboratórios não cedem fácil essa perda e

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investem em advogados, que, segundo Angell (2007), são criativos e inventam “táticas” de proteção.

3 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: OS CAMINHOS SEGUIDOS PELAS INDÚSTRIAS BRASILEIRA E INDIANA

3.1 PANORAMA DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

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A saúde humana é um dos bens naturais que mais se deve priorizar, devido a sua facilidade em contrair doenças. Os indivíduos precisam ter cuidado com o seu corpo. E foi pensando no bem estar social e, consequentemente, na cura de doenças que o desenvolvimento de medicamentos vem acontecendo, e a Indústria Farmacêutica é a responsável pela produção dos mesmos. Nas últimas décadas, o comportamento da Indústria Farmacêutica vem chamando a atenção diante do seu notável crescimento. A indústria ficou conhecida pelo alto rendimento gerado, caracterizando-se como uma das mais lucrativas. A concentração industrial, mediante as fusões e aquisições cada vez mais frequentes, e o aumento no consumo de medicamentos também marcam a nova fase. A seguir, enumeram-se alguns fatos e elementos que contribuíram para essa transformação: a) Após a 2o Guerra Mundial e até fins da década de 1960, tem-se como esgotado o potencial para inovação diante do paradigma tecnológico. As empresas do setor farmacêutico, com o objetivo de ultrapassar a fase da “tentativa e erro”, adotam estratégias para buscar novos conhecimentos e aprimorar a tecnologia existente, a fim de retomar o dinamismo do setor. Estas estratégias mostraram-se promissoras, diante de importantes ações governamentais a favor. b) A chegada da biotecnologia permitiu inovações em processos de P&D e também em produtos, criando dessa forma uma nova classe de medicamentos. c) A expansão do mercado de genéricos, com a expiração das patentes de medicamentos líderes em vendas, a exemplo dos EUA, que cresceu de 19% em 1984 para cerca de 40% em 1990 neste mercado, conforme o periódico Harvard Business Review, 1998. d) A iniciativa de políticas públicas no âmbito da C&T para reforçar as capacitações inovativas. e) No final da década de 1990, muda-se o sistema de propriedade intelectual com a entrada em vigor do Acordo Trips, obrigando o reconhecimento de patentes por parte dos países membros da OMC.

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f) A nova configuração do C&T e do novo ambiente regulatório gerou maiores custos de P&D, como um aumento no tempo médio do desenvolvimento de um medicamento. (Harvard Business Review, 1998) g) Diante do aumento da demanda por serviços de saúde e, consequentemente, dos gastos públicos no setor, tem-se um questionamento em relação às altas margens de lucro da indústria. Dessa forma, inicia-se um movimento nos EUA e se alastra na Europa e Japão, para discussão e adoção de políticas públicas que reduzissem os preços dos medicamentos. (GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008) Mediante esses marcos, a Indústria Farmacêutica foi respondendo aos desafios impostos e adotando estratégias de crescimento. Caracterizou-se por combinar centralização do processo decisório com descentralização mundial de atividades produtivas e de P&D; obtenção de economias de escala e de escopo globais mediante aquisições e fusões; diversificação na produção de medicamentos, com a entrada de genéricos e produtos não éticos3; elevou recursos de marketing e distribuição através da aquisição de tecnologias via acordos de licenciamento, contratos de P&D e alianças externas. Vale ressaltar que todas essas mudanças de estratégias não modificaram a essência da indústria e nem o padrão de competição, conforme Gadelha (2002 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008). Segundo Hasenclever (2002, p. 8): “Todas as indústrias são diferentes do ponto de vista de sua organização e complexidade”. Mas a Indústria Farmacêutica, por ter como principal atividade a produção de medicamentos, se firma com um nível de complexidade ainda maior. A produção de medicamentos envolve quatro estágios: 1) pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos fármacos; 2) produção industrial de fármacos; 3) produção industrial de especialidades farmacêuticas ou medicamentos; 4) marketing e comercialização dos produtos finais.

3

São aqueles medicamentos que não necessitam de receita médica; estão ao alcance do público, também conhecidos como OTCs (over the counter).

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Gadelha (2008) e Hasenclever (2002) fazem esclarecedores panoramas em seus estudos sobre o cenário internacional e nacional da Indústria Farmacêutica. As empresas líderes deste setor têm suas sedes nos EUA e Europa (Alemanha, Suíça, França e Reino Unido, principalmente). Isto se deve ao fato de serem países desenvolvidos, e, portanto, capazes de investirem em P&D; inovações e marketing, que são a base da concorrência nesta indústria. Basicamente, quem detém a capacidade de realizar os quatro estágios são os países centrais, ficando os países periféricos somente com os dois últimos estágios (produção de especialidades farmacêuticas e marketing). (GADELHA, 2003) A presença dessas empresas de grande porte é verificada na liderança do setor, atuando de forma globalizada no mercado mundial, com filiais espalhadas por todo o mundo, havendo interdependência entre as estratégias perseguidas no interior de cada grupo nos distintos mercados nacionais e entre diferentes competidores. (GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008) A Figura 1 ilustra os estágios de produção da cadeia farmacêutica já citados acima:

Figura 1 − Estágios da cadeia produtiva farmacêutica. FONTE: Palmeira Filho e Shi Koo Pan, (2003).

Para Gadelha (2003), a Indústria Farmacêutica não se assemelha às demais, ela se caracteriza por um oligopólio diferenciado baseado nas ciências. O autor denomina a indústria dessa forma, devido ao principal fator competitivo ser o lançamento de novos produtos no mercado, tornando os custos e as economias de escala fatores menos relevantes. É baseada na ciência, porque a fonte essencial da diferenciação de produtos são os novos conhecimentos gerados a partir das atividades de P&D. Pode-se acrescentar também como padrão de competitividade as atividades de marketing, que juntamente com o P&D caracterizam os maiores gastos da indústria. Esta atividade consiste em um conjunto complexo e amplo de estratégias comerciais, a

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exemplo de propagandas e congressos, para divulgação e aceitação do novo produto pela população e principalmente pela rede médica. A atividade de P&D é bastante complexa, exige um alto nível de qualificação por parte da mão de obra, resultando em um dos mais altos salários pagos da indústria de transformação. (HASENCLEVER, 2002) Caracteriza-se também pelo investimento contínuo e de grande porte em um longo prazo, cerca de 10 a 15 anos, objetivando a descoberta de um novo fármaco. Além da proporção dos projetos iniciados e medicamentos aprovados para comercialização ser muito alta, a cada 10 mil moléculas testadas, apenas cinco passam para a fase de testes clínicos e apenas uma obtém sucesso e é comercializada. Pesquisas mostram que somente 30% dos medicamentos conseguem recuperar o investimento realizado. (MEINERS, 2008) A importância das patentes já foi vista no capítulo anterior, porém é importante ressaltá-la para justificar os investimentos em P&D. Elas asseguram o monopólio, a exclusividade do medicamento inovador no mercado aos produtores por até 20 anos, permitindo um ganho supranormal por este período, pois os preços são elevados para que se possa permitir recuperar as despesas realizadas durante o processo de desenvolvimento. Portanto, as patentes se tornam elemento fundamental para a apropriação dos benefícios futuros resultantes dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. (HASENCLEVER, 2002) Dessa forma, caracteriza-se como principal instrumento de defesa na Indústria Farmacêutica. Essa indústria é composta de diferentes segmentos de mercados, conforme já citado. São eles: os medicamentos éticos (aqueles que precisam de receita médica) e os não éticos (aqueles que não precisam de receita médica e são de venda livre). Esses dois tipos de segmentos envolvem formas diferenciadas de competição; os primeiros são dependentes da rede médica, e o segundo se volta para os revendedores e os consumidores finais. Porém, a principal forma de segmentação é denominada classes terapêuticas. Cada segmento tem sua liderança no seu mercado particular, com base na diferenciação de produtos. Pode-se observar certa concentração das empresas líderes por classes que resultem maior rendimento, como as dos mercados dos países desenvolvidos, obtendo assim maior atratividade. (HASENCLEVER, 2002) Outro segmento importante da Indústria Farmacêutica, que vem crescendo a cada dia, é a dos medicamentos genéricos. Esses são produzidos mediante expiração das

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patentes, logo, são cópias dos medicamentos de referência e se diferenciam dos medicamentos ditos “similares”, porque passam por testes de bioequivalência, que asseguram a compatibilidade aos medicamentos inovadores, diferente dos similares que não passam por esse processo. Os medicamentos genéricos não possuem marcas, são os nomes dos próprios princípios ativos que vêm nas embalagens. A principal característica dos genéricos é o preço baixo, porque eles não realizam os estágios de maiores custos: P&D e marketing. Este mercado se tornou atrativo diante dos altos custos do orçamento do governo com saúde e do crescimento dos custos dos medicamentos. Dessa forma, tornou-se tendência dos governos estimularem a substituição dos medicamentos de marcas pelos genéricos. Esta mudança vem afetando a estrutura da indústria nos países europeus e nos Estados Unidos, líderes mundiais do setor, com o novo tipo de medicamento; estes países situam-se entre os maiores fabricantes do segmento de genéricos. (HASENCLEVER, 2002) Embora se tenha a presença de diversas classes terapêuticas na Indústria Farmacêutica, ela comporta milhares de empresas nos mercados em que atuam. De certa forma, existem nichos de mercado no setor que permitem a participação de empresas de menor porte devido à inexistência de economias de escala significativas. Estes nichos tornam possível a entrada de países menos desenvolvidos, como o Brasil. (GADELHA, 2002 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008) Os medicamentos genéricos são um exemplo desse tipo de nicho. A concorrência do segmento se dá via custo de produção e estrutura de distribuição. (CASSIOLLATO et al., 2006 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008) Portanto, identificam-se como barreiras à entrada neste mercado de genéricos, a aquisição ou a produção de fármacos e o acesso à rede de distribuição de medicamentos. Diante do exposto, a entrada da indústria de medicamentos inovadores pode apontar algumas barreiras, dentre elas destacam-se: a capacidade gerencial, técnica e financeira para realizar atividades de P&D de novas moléculas, os direitos de exclusividade assegurados pelas patentes, o poder das marcas e a aprovação da autoridade regulatória. Essas barreiras surgem diante da singularidade e complexidade da indústria. (PALMEIRA FILHO; SHI KOO PAN, 2003) A atividade de P&D é vista como uma barreira, devido ao grande investimento necessário de longo prazo, pois, como já foi dito anteriormente, é a

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principal forma de concorrência da Indústria Farmacêutica. As patentes asseguram o monopólio do fármaco por até 20 anos, o que provoca uma forte barreira a entrada, principalmente em determinadas classes terapêuticas. Elas também se relacionam com as marcas, as quais mantêm lealdade dos consumidores, que, independente da expiração das patentes, os médicos já confiam naquele medicamento e continuam a prescrevê-los. E finalmente as autoridades regulatórias, extremamente exigentes, que determinam regras e leis sanitárias a serem aprovadas. Uma forte característica da Indústria Farmacêutica é a concentração. Isto se deve ao fato dos países desenvolvidos terem a maior capacidade de investimento e serem os únicos capazes de participar dos primeiros estágios da cadeia produtiva. Dessa forma, a Tabela 1 apresenta as vendas globais por região, onde se percebe um mercado fortemente concentrado nos EUA, Europa e Japão, correspondendo a cerca de 90% do total mundial. Tabela 1 – Vendas globais da indústria farmacêutica por região – 2006 Região

US$ milhões

América do Norte Europa Japão Ásia, África e Austrália América Latina

289.900 181.800 56.700 52.000 27.500

% 47,7 29,9 9,3 8,6 4.5

Total 607.900 100.00 Fonte: Parexel`s (2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008, p. 22)

A Tabela 2 traz as dez maiores empresas da Indústria Farmacêutica em 1996 e 2005, em termos da participação de cada uma nas vendas globais da indústria. Constata-se que em quase uma década houve um aumento expressivo de aproximadamente 13% na concentração das vendas das maiores empresas mundiais. Essa mudança demonstra a natureza oligopólica do setor. Também vale ressaltar o intenso processo de fusões e aquisições que a indústria convive até os dias de hoje, evidenciando também o resultado de forte concentração.

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Tabela 2 – As 10 maiores empresas da Indústria Farmacêutica – 1996 e 2005 2005 1996 Empresas % das vendas totais Empresas % das vendas totais Pfizer 8,3 Novartis 4,4 GSK 6,2 Glaxo Wellcome 4,4 Sanofi-Aventis 5,4 Merck & Co 4,0 Hoeschst M. Roussel 3,3 Novartis 5,1 Johnson&Johnson 4,5 Bristol- Meyers Squibb 3,2 AstraZeneca 4,3 Johnson&Johnson 3,1 Merck & Co 4,2 American Home 3,1 Roche 3,5 Pfizer 3,1 Abbot 2,8 SmithKline Beecham 2,7 BMS 2,6 Roche 2,7 Total 10 maiores 46,9 Total 10 maiores 34,0 Fonte: IMShealth (2006) e Queiroz e Gonzáles (2001) (apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008, p.23)

Esse processo começou a ser percebido desde meados dos anos 1980, quando se evidenciou o acirramento da concorrência mundial. As estratégias de crescimento das empresas foram se adaptando, afetando o volume e a localização dos investimentos em expansão, assim como as decisões sobre operações de fusões e aquisições. O intuito era a manutenção ou a ampliação da posição competitiva dos grandes laboratórios multinacionais na Indústria Farmacêutica global. Estas fusões e aquisições ocorrem geralmente em torno de empresas menores, no entanto têm-se percebido mudanças neste sentido. Por exemplo, quando se observou as grandes indústrias farmacêuticas adquirindo as empresas de biotecnologia e/ou de pesquisa e desenvolvimento de produtos. (CAPANEMA, 2006) Diante dessa dinâmica do setor, a troca de posições e o surgimento de novos nomes são vistos com frequência. Partindo para um panorama do comércio exterior da Indústria Farmacêutica, a Tabela 3 apresenta os principais exportadores de produtos farmacêuticos de 2003 a 2005 (U$$ bilhões).

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Tabela 3 – Principais exportadores de produtos farmacêuticos de 2003 a 2005 (U$$ bilhões) País 2003 2004 2005 Share 2004 1 Alemanha 21,6 32,0 35,7 14,41% 2 Bélgica 24,7 29,9 33,4 13,44% 3 Reino Unido 18,4 21,5 21,0 9,70% 4 França 17,1 19,8 21,9 8,91% 5 Suíça 15,8 19,7 22,4 8,85% 6 EUA 15,9 19,5 21,7 8,76% 7 Irlanda 14,0 17,7 16,5 7,99% 8 Itália 9,0 10,0 11,7 4,53% 9 Países Baixos 6,9 9,4 ND 4,24% 10 Suécia 6,4 6,6 6,7 2,99% 16 Índia 1,6 1,9 ND 0,88% 20 China 0,9 1,1 1,3 0,49% 29 Brasil 0,28 0,35 0,47 0,16% Fonte: Barbosa, Mendes e Sennes (2007apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008, p. 24)

A importância da tabela acima é mostrar a forte concentração das exportações, onde os maiores países exportadores correspondem a 83,82% do total mundial em 2004. O Brasil, apesar da melhoria nos resultados demonstrados no período, localiza-se ocupando a 29o posição, com apenas 0,16% do total mundial, ficando atrás dos seus principais concorrentes Índia e China, 16a e 20a posições, respectivamente. A Tabela 4, abaixo, apresenta os principais países importadores de produtos farmacêuticos de 2003 a 2005. Tabela 4 – Principais importadores de produtos farmacêuticos de 2003 a 2005 (U$$ bilhões) País 1 EUA 2 Bélgica 3 Alemanha 4 Reino Unido 5 França 6 Itália 7 Suíça 8 Países Baixo 9 Espanha 10 Canadá 16 Brasil 20 China

2003 27,8 24,4 18,7 13,0 10,6 9,2 8,2 6,1 6,8 5,7 1,5 1,4

2004 31,5 30,9 25,1 15,1 13,0 11,1 10,6 8,9 7,9 6,6 1,8 1,6

2005 35,6 34,3 28,1 15,1 14,3 11,6 11,7 ND ND 7,4 2,0 1,9

Share 2004 14,09% 13,83% 11,21% 6,75% 5,80% 4,97% 4,72% 3,98% 3,54% 2,94% 0,82% 0,70%

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29 Índia 0,24 0,27 ND 0,12% Fonte: Barbosa, Mendes e Sennes (2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008, p. 25

Percebe-se uma forte concentração relativa às importações mundiais de produtos farmacêuticos. Os EUA, Bélgica, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Suiça, Países Baixos, Espanha e Canadá formam os dez maiores países importadores, diferenciando da tabela anterior, pois apenas a Espanha e o Canadá não constam entre os maiores exportadores. Estes, por sua vez, correspondia cerca de 71,83% do total mundial em 2004. O Brasil apresenta uma posição superior, o que significa dizer: importa mais do que exporta; dessa forma fecha uma balança comercial deficitária, ao contrário da Índia, que ocupa a 52a posição, apresentando uma balança comercial superavitária. Pesquisa realizada pela PriceWaterHouseCoopers (2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008) prevê para o ano de 2020 um mercado global para a Indústria Farmacêutica no valor de R$ 1,3 trilhões, salienta uma maior busca, por parte das grandes empresas, por tecnologias e inovações no setor, com uma perspectiva de diminuição nos custos de P&D, diante dos novos conhecimentos gerados. Essa pesquisa também afirma a importância de adotar estratégias mais sistêmicas, baseadas na cooperação e no entendimento da dinâmica da indústria, envolvendo desde os pacientes ao meio regulatório do sistema. O estudo apontou os países emergentes como os principais mercados de crescimento da indústria farmacêutica, afirmando ser muito superior aos dos países desenvolvidos: o Brasil e a Índia são dois deles. Conforme foi visto, o padrão competitivo dessa indústria é baseado na diferenciação de produtos o que é comprovado ao se verificar que cerca de 19% das vendas são destinadas às atividades de P&D, superando outros setores também intensivos em C&T. (PAREXEL`S 2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008) Outros segmentos, que também dependem de inovação, como o de telecomunicação e o automotivo, investem muito menos, 5% e 4%, respectivamente. (MORTELLA, 2006) É importante ressaltar um questionamento exposto por Angell (2007) em seu livro, a respeito dos gastos com P&D e os resultados apresentados. Em 2002, nos EUA, foi constatado que dos 78 medicamentos aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA), somente 17 continham novos princípios ativos e apenas sete

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deles foram classificados pelo FDA como aperfeiçoamentos em relação a medicamentos antigos. Ou seja, os restantes dos medicamentos tratavam-se de imitação de medicamentos antigos ou não foram considerados superiores aos medicamentos à venda. Porém, o mais espantoso é que as sete novas produções não vinham de nenhum laboratório de grande porte americano. Dessa forma, Angell questiona os altos custos em P&D que as grandes empresas farmacêuticas dizem ter, já que não estão produzindo nada de novo, apenas cópias. Outro fato importante da dinâmica da Indústria Farmacêutica é a existência das “doenças negligenciadas”, a exemplo da Malária, Lepra, Leptospirose, Dengue e outras, assim chamadas pelo baixo investimento no desenvolvimento de pesquisas e medicamentos destinados ao seu tratamento. Essas doenças são geralmente encontradas em países de menos desenvolvimento, ou seja, menor poder aquisitivo, o que desestimula o interesse pela descoberta de medicamentos. Essa assimetria na base de inovação acaba por acarretar em desigualdades nas condições de saúde internacionais. Em suma, esta seção objetivou dar um panorama geral da Indústria Farmacêutica, com o intuito de introduzir a discussão posterior das indústrias brasileira e indiana. Tem-se, desse modo, como principais características a geração permanente de assimetrias de informação, existência de considerável grau de concentração em submercados (principalmente por classes terapêuticas), relativa baixa elasticidade-preço da demanda em relação ao medicamento, visto que este não é escolhido pelo paciente, dentre outras. Em face disso, percebe-se a grande necessidade de um forte sistema regulatório nesta indústria.

3.2 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA

Uma forte característica da Indústria Farmacêutica brasileira é o domínio das empresas multinacionais. Desde a década de 1970, corresponde a cerca de 80% do mercado nacional, e assim segue o mesmo caminho de concentração do mercado internacional. O Brasil possui um parque industrial de medicamentos bastante desenvolvido na parte da capacidade produtiva dos produtos finais, mas a capacidade é restrita na produção dos insumos farmacêuticos da química fina (fármacos). A produção

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é voltada para o mercado interno, portanto o país possui níveis baixos de exportações. (GADELHA; QUENTAL; CASTRO FIALHO, 2003) A restrição na produção dos insumos farmacêuticos da química fina significa dizer que o país possui baixos investimentos em atividades de P&D tecnológicos. Na grande maioria, as empresas existentes no país limitam-se a formular e embalar medicamentos. O principal fator, para a atual e histórica posição, de baixo nível de desenvolvimento da Indústria Farmacêutica brasileira é a dependência internacional da mais importante matéria-prima: o fármaco. A maior parte é de origem importada, o que torna a indústria brasileira distante das principais referências de indústria. Esta situação foi ainda mais grave com a abertura do mercado nos anos 90 do século passado, quando se observou um aumento considerável nas importações de fármacos. (HASENCLEVER, 2002) Toda a década de 90 foi marcada pela redução generalizada das alíquotas de importação das diferentes fases produtivas. Juntamente com isto, em 1994 houve a liberação do controle de preços e finalmente em 1997, a nova legislação sobre as patentes. Essas medidas resultaram em aumento das importações, diminuição da demanda pela produção interna e das margens de lucros das empresas nacionais, e elevação dos preços das matérias-primas químicas básicas. Segundo o levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2000, no período de 1989 a 1999 foram paralisadas 407 linhas de fabricação de produtos farmoquímicos, produtores de princípios ativos, e 110 projetos de investimento nesta área não foram implementados, causando uma desestruturação do setor. (ABIFINA, 2003 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006) Outro dado importante resultado dos anos 90 do século XX foi a falta de planejamento estratégico nacional, podendo-se citar que das sete unidades produtivas de antibióticos (medicamento fundamental no setor para uma nação) existentes no Brasil por dez anos, apenas uma estava em operação em 2006. (ABIFINA, 2003 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006) De acordo com o Gráfico 1, abaixo, pode-se inferir que provavelmente as empresas locais tenham investido menos em P&D, devido à facilidade encontrada na

41

importação do medicamento “pronto”, diante do crescimento contínuo das importações ao longo dos anos. (FARDELONE; BRANCHI, 2006)

2000000000 1500000000 Exportação

1000000000

Im portação

500000000 0 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Gráfico 1 – Evolução das exportações e importações do setor farmacêutico – Brasil 19942004 Fonte: MDIC/Febrafarma (2005 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006)

De acordo com Fardelone e Branchi (2006), os medicamentos comercializados no país em sua grande maioria tratam de produtos com patentes expiradas. Ou seja, os fármacos referentes a esses remédios poderiam ser fabricados no país, evitando a importação. Porém a complexidade do processo, a demanda por equipamentos específicos e o padrão técnico rígido de fabricação dificultam o desenvolvimento da indústria farmacêutica no país. Se analisarmos outros países, como a Índia e a China, que há muitos anos já exportam fármacos e não são dependentes do exterior, percebe-se a promoção de fortes incentivos e políticas industriais no setor (ANEXO A). A questão do Brasil é a “[...] carência de uma política industrial que amenize problemas como a dificuldade de acesso a incentivos direcionados ao investimento em inovação e tecnologia de empresas brasileiras”, o que acaba gerando desestímulo por parte da produção local e dos possíveis novos investidores. (ABIFINA, 2003 apud FARDELONE; BRANCHI, 2006, p. 147) O Brasil, assim como outros países do mundo, vem discutindo sobre a questão do papel do Estado como executor e produtor no segmento saúde. Supõe-se que geraria uma maior eficiência no uso dos recursos públicos, o Estado ficar restrito às atividades de supervisão e à fiscalização de políticas públicas, todavia há um peso maior ao se falar de saúde, que é essencial para a população e por isso a sociedade necessita do aval e garantia do Estado, como forma de conforto emocional. (MORTELLA, 2006)

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Em meados da referida década, foram criadas agências reguladoras como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Os órgãos objetivavam ampliar a eficiência do setor, porém não obtiveram total êxito, devido à ligação política com o governo. (MORTELLA, 2006) Podem-se citar questões que precisam ser enfrentadas no intuito de eliminar os entraves que retardam o desenvolvimento da Indústria Farmacêutica no Brasil, a saber: a necessidade de padronizar e garantir a segurança dos dados confidenciais das empresas depositados na ANVISA; carência de profissionais especializados para a análise adequada dos estudos de bioequivalência e biodisponibilidade; a morosidade nas análises a cargo do órgão regulador, que acarreta o rápido acesso da população a novas substâncias, dentre outras. (MORTELLA, 2006) Outro fator que prejudica o desenvolvimento da indústria no Brasil é a alta carga tributária que incide nos medicamentos. Os que estão imediatamente ligados à Indústria Farmacêutica referem-se aos tributos indiretos, como o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS) e as contribuições do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Confins). De acordo com a teoria os tributos indiretos podem ou não serem repassados ao consumidor, pois estes dependem das propriedades da demanda e da oferta de medicamentos e da estrutura do mercado. Portanto seguem dados que comprovam o alto repasse para os consumidores. (MORTELLA, 2006)

Automóveis Indústria Farmacêutica Indústria de Laticinios Indústria da Borracha 0

10

20

30

40

50

60

70

Gráfico 2 – Carga Tributária total sobre valor agregado (em %) Brasil- 2003 Fonte: Adaptado de FGV Consult. & Instituto ETCO ( 2005 apud MORTELLA, 2006)

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Segundo Mortella (2006) a Constituição Federal estabelece que os produtos devem ser tributados de acordo com a essencialidade do bem. Mas, na prática, a coerência não é mantida, de forma que se encontra em São Paulo, por exemplo, a alíquota de ICMS sobre medicamentos de 18%, enquanto a que incide sobre diamantes é de 1,5% e automóveis de 12%. (MORTELLA, 2006) O Gráfico 3 demonstra a carga tributária total sobre medicamentos que é equivalente a 35,07%.

37,07% outros

Gráfico 3 – Indústria Farmacêutica, carga tributária sobre o preço final dos medicamentos. Brasil – média 2000-2004. Fonte: Amaral (2006 apud MORTELLA, 2006)

Além da elevada carga tributária do país, as taxas de juros para o financiamento de investimentos e para o capital de giro também são bastantes superiores comparadas ao mercado externo, gerando a inviabilidade dos negócios em virtude do pequeno porte da maioria das empresas nacionais. (FARDELONE; BRANCHI, 2006) Conforme foi visto no Capítulo 2, em 1995 o Acordo Trips entrou em vigor, e o Congresso Nacional aprovou os termos do tratado de forma a se enquadrar nas exigências da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o Brasil, por ser um país em desenvolvimento, tinha direito a um período de transição e adaptação à nova regulamentação, até o ano 2000 e com um prazo adicional até 2005. Os países centrais pressionaram a adesão imediata ao Acordo Trips. O Brasil já vinha sofrendo medidas comerciais repressivas dos Estados Unidos quanto ao não patenteamento de produtos e processos farmacêuticos. Em virtude desse cenário, o país se viu obrigado a antecipar a adesão ao Acordo, fazendo-o em 1996, aprovando para maio de 1997 a Lei da

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Propriedade Industrial, que permitiu a concessão de patentes no setor farmacêutico. (MEINERS, 2008) A consequência direta dessa rápida adesão ao Acordo foi a perda do período de transição disposto, que podia significar um aprimoramento e desenvolvimento industrial nacional, possibilitando o fortalecimento de parques industriais locais, o que permitiria a diminuição da dependência tecnológica e econômica dos países centrais. (CHAVES et al., 2007) O Congresso Nacional, ao aprovar a lei, acreditava ser uma fonte de grandes investimentos para o desenvolvimento tecnológico e industrial do país, porém esta só aumentou a distância tecnológica nacional em relação ao estrangeiro. Segundo Mortalle (2006), um agravante no processo de patente no Brasil é o elevado grau de complexidade funcional-burocrática do exame de pedidos do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), que regula os procedimentos relativos ao registro de patentes. O atual procedimento é lento e não oferece agilidade, no sentido de dar certeza ao inovador sobre andamentos e prazos, o que prejudica o processo de inovação no país. No

Brasil

pode-se

encontrar,

através

do

Banco

Nacional

de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), que objetiva financiar os investimentos de empresas sediadas no país, inseridas no Complexo Industrial da Saúde, através dos seguintes subprogramas: a) BNDES Profarma – Produção, b) BNDES Profarma – Exportação; c) BNDES Profarma – Inovação; d) BNDES Profarma – Reestruturação; e) BNDES Profarma – Produtores Públicos. (MORTALLE, 2006) Mais uma vez o processo burocrático acaba impedindo as empresas de menor porte a ter acesso ao programa. A indústria de genéricos surgiu na década de 1960 nos Estados Unidos, mas somente em 1999, com a promulgação da Lei nº 9.787, foi instituída a política de

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Medicamentos Genéricos no Brasil. Até aquela data havia apenas dois tipos de medicamentos a serem adquiridos no Brasil: o medicamento decorrente de pesquisa e desenvolvimento (P&D), lançado no mercado como originalmente novo, e os medicamentos, ditos “similares”, aqueles que são cópias dos medicamentos inovadores, pois os princípios ativos, forma e concentração dos mesmos são iguais. Porém, com o intuito de reduzir os custos para a população e ao mesmo tempo averiguar se estes irão prover-se de medicamentos de qualidade foi estabelecida a Lei nº 9.787. Esta lei veio acompanhada de uma forte preocupação da equivalência farmacêutica com os medicamentos de referências. Por isso, são realizados testes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária que evidenciam e asseguram o mesmo. (GADELHA, 2003) A principal característica dos medicamentos genéricos são os preços mais baixos do que os dos seus inovadores. Isto se deve ao fato dos medicamentos genéricos serem provenientes dos seus originais, que, portanto, passaram por etapas no processo de produção e comercialização, como P&D e marketing, as quais são consideradas as mais custosas em toda a cadeia produtiva de um medicamento. Com isso, faz-se uma grande economia ao lançar no mercado o medicamento genérico já devidamente pesquisado e divulgado. (QUENTAL et al., 2008) O texto de Borsato (2009) para a revista Veja, mostra que até 2011, 23 patentes no país irão expirar, sendo dez delas de remédios líderes de vendas, o que causará uma grande reviravolta na indústria de medicamentos genéricos do país. Os números ajudam a dar dimensão à nova fase do mercado, por exemplo, o Viagra e o Lípitor, que estão entre os cinco mais vendidos no Brasil, representaram um faturamento de 1,5 bilhão de reais em 2008. A estimativa é que os genéricos passem de 18% dos remédios consumidos do país para 30%, a partir do vencimento dessas patentes. Isso se deve ao fato da história da indústria farmacêutica, em que a cada patente vencida, as cópias que chegam às farmácias tendem a vender o dobro ou triplo do remédio original. Há também, uma corrida para ser o primeiro genérico a chegar às prateleiras, e por isso muitos genéricos já estão prontos sem ao menos a patente ter expirado; a razão para isso é que o primeiro genérico a chegar às prateleiras se torna a marca líder do mercado, devido à alta taxa de fidelidade entre os consumidores neste setor.

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No Brasil, as empresas nacionais dominam o mercado local com ampla vantagem, representando cerca de 85% das vendas. Os outros 15% ficam divididos entra a suíça Novartis e uma dezena de companhias indianas (BORSATO, 2009), uma vez que copiar é infinitamente mais fácil e menos dispendioso do que descobrir um medicamento inovador, o mercado de medicamentos genéricos sempre foi indicado para os países em desenvolvimento como busca para o progresso, em razão do forte crescimento e custos reduzidos do segmento. Por fim, uma característica interessante da Indústria Farmacêutica brasileira é a existência de laboratórios oficiais. Atualmente, estão registrados 20 laboratórios na Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (ALFOB). A produção é voltada para o atendimento aos programas do Ministério da Saúde (MS) e das Secretárias de Saúde. A principal meta desses laboratórios é atender aos programas do governo através da promoção de medicamentos de baixo custo para a população de baixa renda. 3.3 A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA INDIANA

A Índia é um país em desenvolvimento assim como o Brasil, porém detentor de números surpreendentes no cenário econômico da Indústria Farmacêutica, ocupando uma posição importante tanto nacional quanto internacionalmente. Na classificação dos países do mundo produtores de medicamentos em termos de valor, a Índia está em 130 e em termos de volume em 40, além da participação de 8% na produção farmacêutica global. (RAY, 2008) Internamente na Índia, a Indústria Farmacêutica é considerada como uma das mais inovativas dentre as indústrias manufatureiras. Existem três pilares no sistema de inovação da indústria indiana: políticas públicas ativas, institutos de pesquisa governamentais de excelência e um setor privado forte em capital nacional que investe em inovação. O mercado indiano, ao contrário do brasileiro, tem sua maioria em empresas nacionais, com cerca de 10 mil empresas, correspondendo a 75% do mercado. A Índia é responsável por cerca de 20% da produção mundial de medicamentos genéricos e responde a 97% do mercado nacional destes medicamentos. (MANI, 2006 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008)

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O crescimento da Indústria Farmacêutica indiana é espantoso, saiu de aproximadamente 2,1 milhões de dólares (valor da produção) em 1947 para um pouco mais de 1 bilhão de dólares em 1990, até alcançar 10 bilhões dólares, atualmente. Mas a sua origem, entre 1950 e 1960, foi marcada por um amplo domínio de firmas estrangeiras, com os medicamentos custando entre os mais altos do mundo. (RELATÓRIO DO COMITÊ KAFEVEUR DE 1962 apud RAY, 2008) Porém a década de 1970 veio para mudar este cenário e ficar marcada na história indiana como o início de uma nova era. Diversos fatos e medidas governamentais ocorreram, no intuito do crescimento do setor e disponibilizar medicamentos com preços mais acessíveis à população. Entre 1970 e 1979, implantouse a Ordem de Controle de Preço de Medicamentos (DPCO), em 1973 a Lei de Regulação e de Câmbio Estrangeiro (FERA), em 1978 a Nova Política de Medicamentos e a mais importante, em 1970 a Lei de Patentes. (RAY, 2008) Em comparação com a lei inicial de patentes, que conferia proteção de patente de produto e processo por um período de dez anos (prorrogáveis por outros seis), o que acarretou em um impedimento à criação de capacidade tecnológica nativa, especialmente pela engenharia reversa. A lei de patentes de 1970 assegurava somente a patente de processo para as substâncias químicas, reduzindo sua duração para sete anos, a partir da data do protocolo ou apenas cinco a partir da data da selagem. Excluía todas as substâncias importadas do domínio da proteção de patentes, ou seja, somente as substâncias fabricadas na Índia tinham direito de proteção. (RAY, 2008) A DPCO era responsável por verificar o contínuo aumento dos preços de medicamentos na Índia: foram criadas normas rígidas e severas definidoras de preços. A FERA tinha como objetivo regular e restringir a atuação das empresas estrangeiras no país para proteger e desenvolver capacidades industriais nativas. (RAY, 2008) Para complementar esta fase vivida pela Índia, em 1978 foi lançado a Política de Medicamentos, que tinha objetivos em três esferas: autoconfiança na tecnologia

farmacêutica,

autossuficiência

na

produção

de

medicamentos

e

disponibilidade fácil e barata de medicamentos. (RAY, 2008) Conclui-se que a política adotada na época tinha como ênfase a substituição das importações e incentivo ao desenvolvimento da indústria nacional.

48

Fardelone e Branchi (2006) citam o exemplo da Ranbaxy, fundada em 1961 na Índia, que participou das fortes políticas de incentivos praticadas na época. A empresa investiu em qualidade e boas práticas de fabricação em suas plantas atendendo às requisições das normas e regulamentos internacionais do que resultou um crescimento anual da ordem de 40%, alcançando em 2002 um faturamento de US$ 789 milhões. Como a nova ordem na Índia era a busca pelo desenvolvimento de tecnologia no âmbito nacional, o país acabou embarcando em uma nova “onda” de aprendizagem, a da engenharia reversa, “[...] que essencialmente implica a decodificação de um processo original para a produção de um medicamento em grande quantidade.” (RAY, 2008, p. 75) O que permitiu desenvolver capacidade tecnológica para a indústria indiana, e esse fenômeno ficou conhecido como revolução do processo na indústria indiana. Em consequência disso, a indústria de medicamentos de grande volume cresceu a uma taxa de 21% e 11% nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente. (RAY, 2008) Esse período impulsionou o crescimento contínuo da indústria indiana. Foi através da cópia de medicamentos e, portanto do setor de genéricos, que a Índia é atualmente o principal produtor no mercado internacional, seguido pelos Estados Unidos e Israel. (BORSATO, 2009) De acordo com Ray (2008), no entanto, todo esse ambiente ocasionou uma nova estrutura de mercado. Por um lado, tinha-se um número limitado de grandes unidades, por outro, um número muito grande de pequenos produtores, cada um produzindo uma fração microscópica do total de vendas produzidas na indústria, o que acarretava numa grande variação de qualidade e preço de um medicamento no mercado. Havia uma falta de regulamentos de qualidade e mecanismos de controle, resultando em medicamentos ineficazes e inferiores ao ideal. Entre as décadas de 1980 e 1990, a Índia passou por um período de reformas econômicas, sendo incluída no processo internacional que a OMC estava promovendo. A nova ordem global tinha o intuito de efetuar o livre comércio e a retirada das “distorções da política” em todas as dimensões da atividade econômica de um país. Este processo de reformas se iniciou com as reformas comerciais, que procuravam reduzir e

49

eliminar todas as formas de restrições comerciais, como tarifas, licenças de importação e exportação, restrições quantitativas e outras barreiras não-tarifárias. (RAY, 2008) O Acordo Trips somente em 2005 foi instaurado na Índia, quando expirava o prazo que os países em desenvolvimento dispunham para o ajustamento à nova regulamentação. Isto porque a Índia, diferente do Brasil, utilizou todo o seu período de transição para o reconhecimento de patentes, diferença que fez o país ficar em vantagem, pois fortaleceu o parque industrial, capacitando-o para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. A Índia, ao longo desses anos, ganhou mercado e contribuiu com programas de saúde de diversos países, porque exportava medicamentos a preços mais baixos do que os praticados pelos grandes laboratórios. (CHAVES et al., 2007) A partir desse período de reformas e, principalmente, da expiração do prazo de reconhecimento de patentes do Acordo, a Indústria Farmacêutica indiana vive uma fase de ajustes e mudanças para estruturar o setor neste novo cenário de dificuldades e novos caminhos a seguir. O Quadro 2, aponta as vantagens e desvantagens da indústria indiana com o sistema legal e a burocracia do país, em aspectos negativos. O registro de um medicamento pode levar até 18 meses. Os testes clínicos são feitos em hospitais públicos, o que provoca um processo de aprovação ainda mais lento. Apesar da adesão ao Trips, a Índia ainda é vista com ponderação pelos investidores externos, devido à nova lei não se aplicar a medicamentos patenteados antes de 1995. Mesmo as cópias de medicamentos patenteadas posteriormente, provavelmente não serão retiradas de circulação. As debilidades do país no que tange ao sistema local e à falta de estrutura de fiscalização, fazem crer a incapacidade da plena aplicação da nova lei pelo país. A Índia tem falta de rodovias pavimentadas, sofre de frequentes cortes no abastecimento de energia elétrica e de água, além de problemas nos portos e ferrovias. (PRICEWATERHOUSECOOPERS,

2007

apud

GADELHA;

MALDONADO;

VARGAS, 2008) VANTAGENS - Potencial de crescimento econômico e inclusão social

DESVANTAGENS - Sistema legal extremamente complexo e elevado nível de burocracia

- Sistema educacional avançado, combinado com a segunda maior população de língua inglesa no

- “Desrespeito” à propriedade intelectual

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mundo - Potencial para expansão dos medicamentos de marca, diante do atual domínio dos genéricos - Sistema de ponta na área de TI

- Infraestrutura precária

- Colocação desfavorável no índice de percepção de corrupção da Transparency International Quadro 2 – Principais vantagens e desvantagens da indústria indiana Fonte: Adaptado PricewaterhouseCoopers (2007 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008)

O principal desafio diante do regime de patentes do Acordo Trips é o fato da estratégia de crescimento da indústria ser baseada na engenharia reversa de medicamentos patenteados, a qual não mais poderá ser utilizada. Porém, a realização com os medicamentos sem patente poderá continuar, permitindo a engenharia reversa atuar no mercado de medicamentos genéricos. Com o know-how adquirido durante anos de prática e parques industriais devidamente instalados e capacitados, não é surpresa encontrar a Índia, hoje, na dianteira do setor de genéricos. Uma informação importante é o fato da Índia participar de todas as etapas da cadeia de produção dos medicamentos genéricos, desde a produção da matéria-prima até a transformação em comprimidos.

O Quadro 3 apresenta forças e fraquezas da indústria indiana para esta fase que vem sendo vivenciada desde 2005. Forças Crescimento dos investimentos indústria farmacêutica

Fraquezas - US$ 380 milhões em 2004, tanto público como privado, com taxas de crescimento anual de 53% desde 2001 Mercado farmacêutico interno - US$ 5 bilhões, com taxas de crescimento anual de cerca de 13% (alta participação de genéricos, preços baixos em medicamentos de marca) Capacitações em P&D - Forte capacitação em química básica, gerenciamento de dados e testes clínicos - Crescente fortalecimento em química e testes préclínicos Fatores de risco em P&D - Infraestrutura ímpar - Barreiras regulatórias no que se refere a animais geneticamente modificados e à importação de tecidos humanos e outros materiais biológicos - Baixa a média vulnerabilidade em direitos de propriedade intelectual - Início de restrições quanto à capacidade de testes clínicos Quadro 3 – Índia: principais forças e fraquezas da indústria farmacêutica. Fonte: Adaptado BCG ( 2006 apud GADELHA; MALDONADO; VARGAS, 2008). internos

na

51

Outra questão a ser ponderada pelos indianos é a qualidade dos medicamentos. Diante do crescimento da competitividade do setor, a tendência é a exigência de normas e regulamentos mais rígidos. Este será um parâmetro de força na busca de medicamentos eficazes e seguros dessa nova geração. (RAY, 2008) Mas, sem dúvida, o grande desafio da indústria indiana para manter uma trajetória de crescimento é entrar na corrida da inovação em busca dos medicamentos inovadores, através dos avanços e investimentos em P&D.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil e a Índia se assemelham, em muitos aspectos, ao nível de desenvolvimento, porém, ao se tratar da Indústria Farmacêutica, percorreram ao longo dos anos trajetórias diferentes, resultando em uma grande disparidade entre esses países neste setor. Um dos principais fatos que levaram a esse cenário foi o Acordo Trips e os prazos estabelecidos para adequação da legislação de propriedade intelectual dos países. O objetivo desta monografia foi verificar as diferenças do desenvolvimento da Indústria Farmacêutica brasileira e indiana e relacionar com as principais razões de terem seguido caminhos distintos. O Brasil caracteriza-se por ser um dos maiores mercados farmacêuticos do mundo. Em 2001, encontrava-se no quinto lugar no ranking mundial, porém com a presença de líderes multinacionais dominando grande parte deste mercado e tendo as empresas nacionais representando somente cerca de 20%. (BURMESTER, 2008) As empresas estrangeiras e nacionais atuam nos últimos estágios do processo produtivo

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(formulação e comercialização), demonstrando a dependência do país no processo de competição, já que a articulação com os outros estágios é fundamental para o desempenho do setor. É importante ressaltar a presença quase que insignificante das atividades de P&D no Brasil, principalmente quando se compara com o nível internacional. Uma das razões desse fato é a fraca interação da Indústria Farmacêutica com o sistema científico e tecnológico brasileiro, destacando-se a omissão governamental ao não estimular os laboratórios e universidades públicas no desenvolvimento de projetos na área. Na década de 1960, o Brasil recebeu uma invasão de novos laboratórios e, consequentemente, um ingresso desmedido de “novos” medicamentos. Contudo, a principal fraqueza do país foi não ter investido no desenvolvimento de competências próprias, com o intuito de, a longo prazo, ao menos diminuir a dependência externa no setor, ocorrem certa acomodação das indústrias nacionais que se limitaram a copiar medicamentos, mesmo no período de 1945 a 1996, quando não se reconhecia patentes. Em 1994, ocorreu a assinatura do Acordo Trips, que estabelecia uma flexibilidade nos artigos 65 e 66 aos países para se adequarem à nova legislação, de forma a conceder prazos de acordo com o seu nível de desenvolvimento. Países desenvolvidos tiveram um ano para a reformulação (1996), enquanto que os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos tiveram, respectivamente, cinco anos (até 2000) e 11 anos (até 2006) para fazê-lo. Além de permitir através do artigo 65 que os países em desenvolvimento poderiam prorrogar até 2005 para conferir proteção aos campos não protegidos anteriormente. A Declaração de Doha foi mais adiante com os países menos desenvolvidos, permitindo a transição até 2016. O Brasil antecipou o reconhecimento das patentes do setor farmacêutico para o ano de 1997, embora ainda tivesse mais tempo. Tem-se como justificativa para essa decisão, as pressões e sanções feitas pelos EUA. Dessa forma, o país perdeu a oportunidade, ao longo dos anos concedidos, de desenvolver e fortalecer parques industriais para a diminuição da dependência tecnológica. No entanto, a indústria indiana seguiu uma trajetória diferenciada desde a sua origem. Pelo seu percurso, testemunhou uma “revolução do processo” com a engenharia reversa, aquisição de capacidade tecnológica incentivada por políticas

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favoráveis, ocasionando para a indústria uma época de expansão. Atualmente, vive uma fase turbulenta de adaptação e ajustes as recentes reformas. O ano em destaque para a Indústria Farmacêutica indiana foi o de 1970, a partir da Lei de Patentes. Esta era mais branda que a anterior e permitia apenas patentes do processo para as substâncias químicas, além de reduzir o período das patentes. Porém, essa expansão foi baseada no acúmulo de capacidade tecnológica originária da chamada “revolução de processos” em que as empresas adquiriram conhecimento através da engenharia reversa, que combina as especificações e o projeto do processo original (violando o direito de propriedade intelectual), mas há também os não violadores, o que requerem ainda mais complexidade, pois partem do original para a descoberta de outro caminho. A indústria indiana é fortemente caracterizada pela fragmentação, devido principalmente à expansão das últimas décadas. Cerca de 250 companhias farmacêuticas controlam 70% do mercado, evidenciando uma forte competição de preços e controle por parte do governo. A lei de patentes na década de 1970 fez com que declinasse a participação das multinacionais de 75% para 35% no mercado. O grande diferencial entre os países (Índia e Brasil) é que neste período a Índia adquiriu competências no desenvolvimento de processos e de produção de fármacos, tendo como resultado as empresas se tornarem fortes no mercado interno, sendo capazes de produzir medicamentos de qualidade a preços baixos (BURMESTER, 2008). Embora exista dúvidas quanto a qualidades destes medicamentos. Sinteticamente, a Indústria Farmacêutica indiana apresenta custos baixos de P&D; de produção; capacidade científica inovativa; força dos laboratórios nacionais e um comércio internacional crescente, isto tudo devido à alta qualificação da mão de obra, uma estrutura de democracia legal e contínua, além de possuir uma excelente rede de instituições educacionais de alto nível. Tem como principal estratégia da maioria das empresas a exportação de fármacos, devido à favorável política tributária para isenção de alíquotas de exportação. (BURMESTER, 2008) A Índia não só se posicionou diferente ao Brasil quanto à origem da indústria farmacêutica, mas também quanto à decisão perante o Acordo Trips. Esta optou por assegurar e usufruir os anos concedidos pela flexibilidade dos artigos 65 e 66 do Acordo. Dessa forma utilizando de todo o período para o reconhecimento de

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patentes, ocasionou uma maior preparação, em termos de estruturação e fortalecimento do seu parque industrial. Isto vem permitindo ao país exportar medicamentos a preços mais baixos, viabilizando programas de saúde de diversos países. (CHAVES et al., 2007) Percebe-se que os caminhos seguidos pela Índia não só foram determinantes a partir do Trips, mas desde a sua origem, quando promoveu o fortalecimento da indústria nacional. A busca pelo desenvolvimento de competências internas e tecnologias foram essências para a expansão do setor farmacêutico no país. O Brasil ainda precisa articular para reduzir a dependência externa e conduzir para alcançar o domínio do seu mercado.

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REFERÊNCIAS

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57

MARTINS, E. M. O. Da OMC e a aplicabilidade do Acordo Trips no Brasil. Revista Jurídica, v. 1, n. 1, out. 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2009. MEINERS, C. M. M. de A. Patentes farmacêuticas e saúde pública: desafios a política brasileira de acesso ao tratamento anti-retroviral. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 7, p. 1467-1478, jul. 2008. MORTELLA, C. Incentivos e constrangimentos para a produção de medicamentos no Brasil. In: BUSS, P.M.; CARVALHEIRO,J.R.; CASAS, C.P.R.(Org.). Medicamentos no Brasil: inovação &acesso. Rio de Janeiro- RJ, 2008, p. 235-249. OLIVEIRA, M.A; ZEPEDA BERMUDEZ, J. A.; OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S. Assistência farmacêutica e acesso a medicamento. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2007. PALMEIRA FILHO, P. L.; CAPANEMA, L.X.L. A cadeia farmacêutica e a política industrial: uma proposta de inserção do BNDES. BNDES setorial, Rio de Janeiro, n.19, p.23-48, mar. 2004. ______; SHI KOO PAN, S. Cadeia farmacêutica no Brasil: avaliação preliminar e perspectivas. BNDES setorial, Rio de Janeiro, n.18, p.3-22, set. 2003. QUENTAL, C. et al. Medicamentos genéricos no Brasil: impactos das políticas sobre a industria nacional. Ciência e Saúde Coletiva, v. 13, supl., p. 619-628, 2008. RAY, A. S. Aprendizagem e inovação na indústria farmacêutica indiana: o papel da IFI e outras intervenções políticas. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 74-80, jul-dez. 2008. ZEPETA BERMUDEZ, J. A. et al. O Acordo Trips da OMC e a proteção patentária no Brasil: mudanças recentes e implicações para a produção local e o acesso da população aos medicamentos. Rio de Janeiro: ENSP, 2000. 132p.

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ANEXO

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ANEXO A

EMPRESAS

VENDAS (em US$ milhões)

1. AstraZeneca

1.406,9

2. Roche

1.001,0

3. Laboratório Cristália

589,9

4. Novartis

584,4

5. Medley

424,0

6. B. Braun

314,2

7. Tortuga

312,2

8. EMS S. A.

295,5

9. Neo- Químico

284,8

10. Farmasa

257,5

11. Merck

207,2

12. Bristol- Myers Squibb

197,7

13. União Farmacêutica

165,3

14. Laboratório Teuto Brasileiro

158,9

Quadro 1 – Ranking das 12 maiores empresas farmacêuticas no Brasil, em 2007.

FONTE: Portal Revista Exame, 2008.

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Principais mercados na indústria farmacêutica (US$ milhões) País 1999

1997

1998

Estados Unidos 101.429 74.095 130.000 Japão 46.887 38.764 53.400 Alemanha 22.122 15.470 18.500 França 18.212 14.165 17.700 Itália 10.580 9.123 11.300 Reino Unido 8.427 8.385 11.000 Espanha 6.019 5.284 6.600 Brasil 8.946 10.310 6.200 China 3.437 ND 6.200 Argentina 3.888 3.557 4.900 México 3.600 3.263 4.000 Índia 3.300 ND 3.400 Total (mundo) 498.869 305.395 324.100 Tabela 1- Principais mercados na indústria farmacêutica (US$ milhões) FONTE: Internacional Medical Statistics Pharmaceutical World Market Review (1998, 1999, 2000) apud Gadelha, Quental, Castro Fialho, 2003.

Fase Pré-clínica

Fase I

Fase II

Fase III

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Número de princípios ativos pesquisados para introduzir um no mercado Gasto Total ( US$ milhões) Tempo (anos) Gastos por Princípio Ativo • Atividades

• • • •

25

10

3

2

US$ 7,20

US$ 8,90

US$ 23,20

US$ 53,10

1,6 US$ 288.000

1,5 US$ 890.000

1,5 US$ 7,7 milhões

2,5 US$ 26,6 milhões

PréFormulação Formulação Estudos de Toxicologia Estudos Analíticos Estabilidade

• • • • •

Formulação Desenvolvimento de Processo Testes Clínicos Estudos Analíticos Estabilidade

• •

Formulação Desenvolvimento de processo • Testes Clínicos • Estudos Analíticos • Estabilidade

• • • • • •

Transferência de Tecnologia Scale-up Validação de Processo Testes Clínicos Estudos Analíticos Estabilidade

Quadro 2- Gastos Envolvidos nas Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Princípios Ativos de Empresas Norte-Americana, 1999 FONTE: Soltero et al (2000) apud Hasenclever, 2002.